O ex-presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, morreu nesta terça-feira (13), aos 88 anos, em Montevidéu, em decorrência de complicações de um câncer no esôfago. A morte foi confirmada pela atual presidência do Uruguai.
Mujica havia sido hospitalizado dias antes com agravamento da doença, diagnosticada no início deste ano. Desde 2021, o ex-mandatário também sofria de uma doença imunológica crônica.
José Mujica foi presidente entre 2010 e 2015, senador por dois mandatos e uma das principais figuras da Frente Ampla, coligação que governa o Uruguai desde 2005, com exceção do período entre 2020 e 2024. Nascido em 20 de maio de 1935, Mujica foi militante do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, organização armada de esquerda que combateu a ditadura militar uruguaia. Foi preso em 1971 e passou 14 anos na cadeia, boa parte deles em regime de isolamento.
Conforme relatou anos depois, durante os primeiros anos de prisão, chegou a passar vários meses sem tomar banho e em isolamento quase absoluto. Fugiu duas vezes da prisão, uma delas por um túnel escavado com outro companheiro. Obteve liberdade apenas após a anistia de 1985.
Após a redemocratização, fundou o Movimento de Participação Popular (MPP), partido que integrou a Frente Ampla e se tornou sua principal força política uruguaia a partir de 2004. Foi eleito deputado federal em 1994, senador em 1999, e, após a vitória de Tabaré Vázquez, foi nomeado ministro da Agricultura, pasta que ocupou até 2008. No ano seguinte, venceu as eleições presidenciais e assumiu a chefia de Estado em 2010.
Durante o mandato presidencial, adotou medidas como a legalização da maconha, a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação e a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A política econômica neoliberal, porém, foi mantida tal qual executada pelos direitistas governos anteriores, privilegiando o parasitismo dos bancos internacionais e sem nenhum enfrentamento mínimo com o imperialismo, que seria defendido também na política externa.
Expressando sua submissão, se posicionou publicamente contra governos nacionalistas e de oposição à ditadura imperialista no continente, como os de Nicolás Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, na Nicarágua, ambos alvos de sanções dos Estados Unidos e atacados pelas grandes potências. Repetindo acusações recorrentes contra os governos latino-americanos de oposição ao imperialismo, Mujica afirmou que não considerava Maduro e Ortega “esquerdistas”, mas sim “autoritários”, e defendeu que haveria uma “revolução interna” contra o chavismo na Venezuela, em clara defesa do golpismo no país sul-americano.
Após deixar a presidência, voltou a ser eleito senador em 2015, função que exerceu até 2020, quando renunciou alegando problemas de saúde. Desde então, afastou-se da vida política institucional, embora continuasse dando entrevistas e declarações públicas sobre a política regional e internacional.
Foi também o único presidente “de esquerda” da América do Sul a concluir seu mandato entre 2010 e 2016 sem sofrer perseguições, deposição ou ataques diretos das forças golpistas. Enquanto presidentes como Fernando Lugo, no Paraguai, Manuel Zelaya, em Honduras, Dilma Rousseff, no Brasil, e Rafael Correa, no Equador, foram vítimas diretas de golpes de Estado, processos judiciais ou campanhas sistemáticas da imprensa e do Judiciário, Mujica manteve-se preservado, inclusive com boa imagem nos meios de comunicação estrangeiros. Sua figura foi frequentemente promovida por veículos como BBC, CNN, New York Times e outros, sendo tratado como símbolo de moderação e simplicidade.
Nos últimos anos, mesmo afastado da vida partidária, Mujica seguiu como referência para setores políticos latino-americanos alinhados com o chamado “campo democrático”, isto é, os mais alinhados aos EUA, em particular ao imperialismo norte-americano e ao Partido Democrata. Apesar de sua militância contra a ditadura militar e da longa trajetória política dentro da Frente Ampla, Mujica foi progressivamente se afastando das posições da esquerda latino-americana a partir dos anos 2000. Sua relação amistosa com os meios de comunicação estrangeiros e sua crítica aberta a líderes como Nicolás Maduro, Daniel Ortega e Cristina Kirchner reforçaram seu papel como liderança valorizada pelas potências imperialistas.
Ao fim, Mujica se tornou um dos precursores do fenômeno Boric, sendo um dos principais representantes de um modelo de esquerda tolerado e, em muitos casos, incentivado pelo imperialismo.