O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes comunicou ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que a Casa deve declarar a perda do mandato da deputada federal licenciada Carla Zambelli (PL-SP), condenada no caso da invasão a um sistema do Conselho Nacional de Justiça.
Na mesma decisão, assinada neste sábado 7, Moraes ordenou o início do cumprimento da prisão definitiva da bolsonarista e o envio ao Ministério da Justiça dos documentos necessários para formalizar o pedido de extradição da ré, que fugiu para a Itália após a sentença.
Na sexta-feira 6, a Primeira Turma do STF negou, por unanimidade, um recurso de Zambelli contra sua condenação a dez anos de prisão. Com o trânsito em julgado, portanto, Moraes expediu a ordem de prisão definitiva — já estava em vigor um mandado de prisão preventiva.
No julgamento que condenou a parlamentar, em maio, prevaleceu o voto de Moraes, que determinava a extinção automática do mandato Aliados da bolsonarista, contudo, rejeitam essa leitura.
Entenda o imbróglio
O artigo 55 da Constituição define, no inciso 6º, que perderá o mandato o deputado que sofrer uma condenação criminal com sentença transitada em julgado — ou seja, após se esgotarem os recursos. Neste caso, porém, caberia à Câmara decidir sobre a cassação, por maioria absoluta, após provocação da Mesa Diretora ou de um partido.
No julgamento que condenou Zambelli, contudo, desenhou-se um caminho diferente. O voto de Moraes (seguido pelos quatro colegas da Primeira Turma), determina a extinção automática do mandato de Zambelli, com base no inciso 3º do mesmo artigo – segundo o qual perderá o cargo o deputado que deixar de comparecer a um terço das sessões ordinárias da Câmara.
Neste caso, ao contrário do exemplo anterior, a Mesa Diretora apenas declara a vacância, sem votação.
O argumento de Moraes é que a prisão de um parlamentar por mais de 120 dias leva à extinção do mandato, uma vez que ele não poderá assistir a um terço das sessões. Em seu voto, ele concluiu: “A Mesa da Câmara deverá apenas declarar a perda do mandato”.
Aliados de Zambelli, por sua vez, afastam esse entendimento. O líder do PL, Sóstenes Cavalcante, afirmou logo após a condenação que “quem cassa é o plenário, não o STF”.
O impasse pode agravar o enfrentamento entre Congresso e Supremo. Embora Zambelli tenha base restrita na Casa, a reação pode unir bolsonaristas e parte do Centrão contra o que chamam de interferência do Judiciário.
O que dizem especialistas
O artigo 15 da Constituição, por sua vez, ordena a perda dos direitos políticos em caso de condenação criminal transitada em julgado. De volta ao artigo 55: ele diz, em seu inciso 4º, que perderá o cargo o deputado cujos direitos políticos estiverem suspensos.
“Ou seja, nesse caso, não haveria necessidade de maioria absoluta da Câmara dos Deputados, cabendo exclusivamente à Mesa da Câmara a declaração da perda do mandato”, afirma Alexandre Rollo, doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e especialista em Direito Eleitoral e Administrativo.
Para o jurista e professor de Direito Constitucional Lenio Streck, o papel da Câmara no caso de Zambelli é declaratório — ou seja, ela não tem sequer de discutir a perda do posto. “Não há necessidade de deliberação do plenário, e a perda do mandato deve ser automaticamente declarada pela Mesa Diretora da Câmara.”
Já de acordo com Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional pelo IDP-DF e mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada, na Espanha, estamos diante de uma nova queda de braço institucional. A indisposição é tão acentuada que leva o Brasil a águas jamais navegadas.
Segundo ele, não faria sentido jurídico e político uma deputada condenada a dez anos de prisão em regime inicialmente fechado continuar a ser titular de um mandato. Seria, em sua avaliação, um desgaste pesado para a Câmara.
“Mas vivemos um período tão maluco que talvez esse desgaste, no mundo polarizado, não seja interpretado de forma tão negativa”, ponderou.
Para o advogado, Moraes poderia ter fundamentado melhor seu voto contra Zambelli, recorrendo, por exemplo, ao Código Penal. O artigo 92 diz que a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo é um dos efeitos de uma condenação a pena superior a seis anos de reclusão. O magistrado faz uma breve menção a esse dispositivo, na última página de seu voto.
“O ministro fez uma interpretação constitucional, mas acho que bastaria que fizesse uma interpretação penal”, resume Miranda. A leitura penal, prossegue, seria objetiva, enquanto a tese de Moraes parte de uma projeção — de que Zambelli, por ter sido condenada ao regime fechado, faltará a um terço das sessões.
“Aí damos margem para a Câmara, efetivamente. No meu entendimento, ele errou a fundamentação.”