Na edição desta quinta-feira (11) do programa Entrelinhas Vermelhas, apresentado por Inácio Carvalho e estreando o jornalista Davi Molinari, o foco é o julgamento histórico que pode mudar os rumores da democracia brasileira: o processo contra Jair Bolsonaro e mais sete réus acusados de chefiar uma organização criminosa com o objetivo de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito.
O programa, gravado na quarta-feira (10), já trazia o voto contundente do relator, ministro Alexandre de Moraes, e os primeiros votos da Primeira Turma do STF — todos no sentido da reportagem. Para decifrar esse momento crucial, o convidado foi o jurista Martônio Mont’Alverne, doutor e pós-doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt, professor titular da Unifor e ex-vice-presidente da OAB.
Assista a íntegra da entrevista:
“Não há surpresa: o STF está fazendo o que os EUA não fizeram”
Martônio Mont’Alverne foi categórico: o Supremo Tribunal Federal, desde 2022, vem construindo uma nova jurisdição — a da “democracia defensiva”. Trata-se de um conceito consolidado no direito constitucional mundial, especialmente após as tragédias do século XX, que entende que regimes democráticos devem se proteger contra forças que buscam destruí-los.
“O STF está recepcionando uma teoria que já existe desde os anos 1950 — e que foi ignorada pelos EUA em janeiro de 2021. O Brasil está dando um exemplo ao mundo”, afirma o jurista, citando até o The Economist, que elogiou o tribunal brasileiro.
Ele destaca que o acervo probatório é “imenso, robusto e incontestável”: agendas oficiais do Planalto detalhando o “Punhal Verde”, áudios, vídeos, depoimentos e até anotações do general Heleno. “O que falta mais para provar a tentativa de golpe? Só faltou o organograma da organização criminosa — e talvez ele esteja lá, nos autos”, ironiza.
Desmontando os argumentos da defesa: foro, tentativa e anistia
O programa dedica espaço para desconstruir os principais argumentos usados pela defesa de Bolsonaro — e reproduzidos pela mídia conservadora:
Prerrogativa de foro? “O STF já decidiu reiteradamente: o foro competente é o da época dos fatos. Em 2022, Bolsonaro era presidente. Além disso, Alexandre Ramagem já era deputado em 2023. A competência é clara”, explica Mont’Alverne.
“Não houve golpe, logo não houve crime”? “É como dizer que quem aponta uma arma contida não cometeu crime porque não removeu os gatilhos. A lei pune a tentativa. E a tentativa de golpe e de assassinato está fartamente documentada”, rebate.
Anistia? “O ministro Flávio Dino foi brilhante ao dizer: o Estado não pode anistiar quem tentou destruí-lo. Seria como perdoar um incendiário por atear fogo no próprio quartel dos bombeiros. Além disso, anistiar crimes contra cláusulas pétreas da Constituição — como a separação de poderes e o voto — é inconstitucional”, afirma.
A normalização do terror e o silêncio cúmplice
Um dos momentos mais contundentes da entrevista é quando Mont’Alverne aborda a “normalização do terror” pela sociedade e pela mídia brasileira:
“Temos uma direita que assimilou a violência, o discurso de ódio, a homofobia, o machismo de Bolsonaro como ‘normal’. Jornais falam em ‘escolha difícil’ — como se escolher entre democracia e fascismo fosse uma questão de gosto.”
Ele lamentou a omissão de setores que, em nome do “mal menor”, abriram as portas para a extrema-direita: “Bolsonaro não é um homem inofensivo dos anos 50. Ele é um brutamontes que ameaça a civilização democrática. E quem relativiza isso, compactua.”
Ameaças dos EUA: “Lei do mais forte”
Diante das declarações da porta-voz da Casa Branca — que ameaçou usar “poder econômico e militar” para “proteger a liberdade de expressão” no Brasil —, Mont’Alverne foi direto:
“O direito internacional hoje é a lei do mais forte. Israel bombardeia o Catar, os EUA sabotam Cuba e a Venezuela, e a ‘comunidade internacional’ só emite notas. O Brasil precisa reagir com firmeza: repudiar publicamente essas ameaças e defender sua soberania — política, econômica e judicial.”
Ele lembrou que nenhum país ocidental ousou criticar o julgamento de Trump nos EUA — mas agora se intromete no Brasil. “Isso não é defesa da democracia. É imperialismo puro.”
Um raio de esperança: a juventude e a memória
Apesar do cenário sombrio, o jurista trouxe uma nota de esperança: citou sua orientanda, Thais Araújo Dias, que acaba de ganhar o Prêmio Capes de melhor tese em Direito no Brasil — justamente sobre os “momentos obscuros” da história e como evitá-los.
“Precisamos conhecer o passado para não repeti-lo. Instituições, universidades, meios de comunicação progressistas como o Vermelho — todos têm papel fundamental nessa construção de memória e de defesa da democracia.”
Democracia no jogo
O programa terminou com um recado claro: o julgamento de Bolsonaro não é apenas sobre um ex-presidente. É sobre o futuro da democracia brasileira.
“Os réus estão sendo julgados com todas as garantias que eles queriam destruir: ampla defesa, contraditório, devido processo legal”, concluiu Mont’Alverne, apontando a ironia cruel — e reveladora.