A pergunta “Quem fez minhas roupas?”, lançada no Brasil pelo Fashion Revolution em 2014, provocou um debate necessário e promissor na indústria da moda nacional. Ela estimulou reflexões, ações e pressões sobre a necessidade de melhores condições de trabalho no setor, maior rastreabilidade da cadeia de fornecimento, combate ao trabalho análogo à escravidão e às violações de direitos humanos e trabalhistas protagonizados por grandes marcas da moda.

Nesse percurso, a cobrança por maior transparência fez com que empresas assumissem compromissos de gestão e governança mais atentos a direitos humanos e trabalhistas, muitas vezes como forma de melhorar sua reputação. Porém, passados mais de dez anos desde que o debate se intensificou, os avanços em temas como trabalho digno, salários justos e combate à violação de direitos ainda são limitados.

Um exemplo pode ser visto no Índice de Transparência da Moda Brasil, que mostrou que, em 2023, apenas 2 das 60 marcas analisadas divulgavam estratégias para garantir salários justos para todos os trabalhadores da cadeia de fornecimento. Além disso, apenas 6 publicaram dados sobre violações de direitos trabalhistas relacionados a gênero nos seus fornecedores, e apenas 8 publicaram ações relacionadas a trabalhadores migrantes estrangeiros nos fornecedores, que constituem a parcela mais vulnerável ao trabalho escravo contemporâneo no setor.

Mas, além da necessidade de se avançar na melhoria dos indicadores, há o grande desafio de inserir, nessa discussão, a situação das pessoas que atuam na informalidade, seja trabalhando por conta própria em pequenos negócios, seja atuando via processos de terceirização e subcontratação junto a empresas formais.

O quantitativo de empresas e trabalhadores na informalidade é expressivo na economia nacional: 38,8% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade, com destaque para o Norte e o Nordeste, que apresentam índices ainda maiores dentre o quadro geral de profissionais atuantes.

A informalidade no setor têxtil também é expressiva e pode ser exemplificada pelos polos de confecções distribuídos em diferentes regiões do Brasil, que funcionam como economias populares e informais, como o Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco. Segundo uma pesquisa do SEBRAE de 2012, 80% das empresas deste polo atuavam na informalidade com produção, até então, predominantemente terceirizada, fragmentada em unidades produtivas familiares e domiciliares. Em muitas regiões, a informalidade é estratégia de negócio e, muitas vezes, de sobrevivência desses trabalhadores.

Quando inserimos, nessa reflexão, a situação das mulheres, os desafios se ampliam, visto que a participação feminina na indústria têxtil informal, sobretudo das costureiras, se dá de modo significativo. Trata-se, em sua maioria, de trabalhos realizados em domicílio, mediante contratos de trabalho flexíveis, sem garantias, sem direitos e mediante pagamento por peça produzida, ou seja, um contexto em que as costureiras atuam com direitos violados e/ou negados.

Assim, como o fornecedor geralmente é um intermediário de uma empresa formal ou um produtor informal, a rastreabilidade que permitiria a responsabilização pelos direitos violados ou negados torna-se comprometida, justamente onde a demanda por trabalho digno é ainda maior.

O debate sobre a importância de incluir os trabalhadores informais na agenda tem emergido em iniciativas locais, que vêm repensando suas práticas e identificando a necessidade de uma transformação sistêmica capaz de gerar trabalho digno e proteção social para quem está fora das fábricas ou dos contratos formais das grandes marcas.

Trata-se de um movimento que alerta para a urgência de criarmos ações de advocacy para melhorar, modificar e criar mecanismos de proteção social efetivos para essas pessoas fora da CLT.

Carla Regina, uma costureira autônoma do Coletivo Mulheres do Polo, grupo que atua na conscientização sobre as demandas das costureiras informais, relata que são elas quem fazem a moda. São as costureiras que trabalham em casa e costuram a maioria das roupas vendidas no Brasil todo, sem serem vistas. “A costureira que trabalha em casa, não tem direitos de nada, se ela adoecer e parar de trabalhar, ela não tem direito de receber nada, não tem direito de correr atrás de uma aposentadoria, porque ela tá informal, ela está em casa.”

Mas, para avançarmos nessa discussão, as demandas das costureiras informais precisam ultrapassar a dimensão local, regional, e adentrar nos eventos, nos debates, nas pesquisas e nos espaços de decisão do setor da moda. A invisibilidade dessas trabalhadoras revela que a transparência das empresas formais não tem sido suficiente para prevenir violações na cadeia de fornecimento, e que as políticas de promoção do trabalho digno não alcançam uma parte significativa dessas pessoas.

A transparência deve começar pelo reconhecimento público da existência de uma indústria informal, marcada pelo trabalho precário e a falta de direitos, onde as mulheres são as mais afetadas. Essa indústria informal precisa ser mapeada, estudada e integrada aos debates da moda nacional, permitindo a criação de ações políticas eficazes.

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Last Update: 28/01/2025