Rechaço ocidental à imigração: ambiguidade ou hipocrisia?
Mirko Casale*, AhíLes Va
Já notaram como muitas das pessoas que temem que os imigrantes cheguem em massa a seu país, imponham sua cultura, os expulsem de suas casas e os levem a sentirem-se estrangeiros em sua própria nação acabam sendo defensores apaixonados de Israel?
Em sério, Israel?
É meio como declarar-se um vegano radical e, depois, defender o Hannibal Lecter como se isso fosse sua própria vida.
— O Hannibal Lecter tem o direito de se defender. Além disso, ele compartilha os valores veganos, porque ele não come carne de animais, só de pessoas.
É que o caso israelense cumpre todas e cada uma das piores fobias declaradas por muitos de seus mais acérrimos defensores.
Imigrar em massa a outro lugar onde nem você, nem seus país, nem seus avós nasceram é um costume cem por cento israelense.
Impor ali um sistema, leis e costumes alheios à população local é uma atitude cem por cento israelense.
Expulsar os habitantes originais de suas casas e marginalizá-los em sua própria terra, outra mania cem por cento israelense.
— Eu apoio Israel porque não quero que a Europa seja invadida por estrangeiros que nos imponham outra cultura, valores e leis, tal como os israelenses fizeram na Palestina. Opa… Eh… O que foi que eu disse?
Claro, em muitos desses casos de “israelivers”, seu problema não é com a imigração de modo geral, senão que, concretamente, com os migrantes muçulmanos que chegam ao Ocidente. Mas, isso não torna mais lógico seu apoio à entidade israelense, senão que ainda menos.
— Desde que Israel foi criado, o Oriente Médio está vivendo imerso em contínuos conflitos que provocam a emigração de milhões de muçulmanos no rumo de nossos países.
— E como eu não quero que os muçulmanos venham para nossos países, então, por isso, eu apoio Israel.
— Caramba, outra vez. O que eu acabei de dizer?
Cuidado, a migração é um processo com várias arestas sociais e culturais. E há muitos pontos cinzentos entre as posturas polarizadas de: a imigração é boa e a imigração é má.
Esse é outro tema.
Mas, caramba, não dá para você se situar no lado da situação é má e, ao mesmo tempo, defender o projeto imigratório mais injustificado, imposto, violento e cruel que jamais existiu do século 20 para cá.
Porque, então, é melhor ser sincero e deixar de dizer que está contra a imigração massiva e a imposição cultural. E admitir que, na verdade, apenas está contra quando possam prejudicar os interesses ocidentais. E a favor, sempre que os beneficiem.
*Mirko Casale é o roteirista, apresentador e diretor do programa Ahí les va! (Aí, está!), que há cinco anos a RT transmite para países de língua espanhola.
*Transcrição e tradução ao português e legendas: Jair de Souza
*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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