Alexandre Silveira balança no Ministério de Minas e Energia. Culpa do presidente do Senado, Davi ­Alcolumbre, que cobiça ter mais influência no setor energético. Há uma saída honrosa esboçada em Brasília para Silveira. Nomeá-lo coordenador da campanha à reeleição de Lula em Minas Gerais, terra do ministro. O presidente gosta dele, o vê como aguerrido na defesa do governo. Apesar da opinião do chefe, Silveira alinha-se a ideias bolsonaristas. Foi assim na recente reforma liberal do setor elétrico. Agora o ministro deseja liberar a exploração à iniciativa privada de volumosas reservas de urânio para alimentar a produção de energia atômica, assunto da moda pelo mundo. Um roteiro rabiscado desde a gestão de Michel Temer e cheio de digitais do almirante Bento ­Albuquerque, ministro de Minas e Energia (e das joias) de Jair Bolsonaro.

Em 24 de janeiro, o gabinete de Silveira enviou à área do Palácio do Planalto responsável pela relação com o Congresso uma lista das prioridades da pasta em 2025. O primeiro item era a reforma do setor elétrico. O seguinte, urânio. “É essencial para a produção de energia nuclear, sendo uma fonte-chave para abastecer a demanda global. No Brasil, a exploração do mineral ainda é ineficiente. A Proposta de Lei busca expandir a extração de urânio no País através de investimentos privados”, dizia o texto. Em 6 de junho, Silveira defendeu, na França, a abertura do setor a capitais privados. Foi durante um fórum empresarial realizado em paralelo a uma viagem de Lula àquele país. “Nada impede, contudo, que o marco jurídico da geração de energia nuclear seja modernizado para se tornar atrativo para o capital privado. Em especial, para os investimentos franceses. Nosso parceiro histórico no complexo, tanto de Angra 1 quanto de Angra 2, e agora Angra 3”, declarou.

O urânio é o principal insumo de usinas de geração de energia atômica como Angra 1 e 2 (as obras de Angra 3 estão paralisadas desde 2015, e o Conselho Nacional de Política Energética estuda recomendar sua retomada). As reservas nacionais conhecidas somam 178 mil toneladas, de acordo com as informações repassadas à Agência Internacional de Energia Atômica pelas Indústrias Nucleares do Brasil. O número consta da edição de 2025 do Red Book, publicação bienal da agência sobre urânio. Curioso encolhimento de 36% em relação ao que a INB havia relatado para as duas edições anteriores, 280 mil toneladas. No nível atual, as reservas nativas são a 11ª maior, conforme o Serviço Geológico do Brasil. O líder é a Austrália, com 1,9 milhão de toneladas. Depois, Cazaquistão (873 mil) e Canadá (852 mil). O Brasil tem potencial para melhorar a posição, pois só 30% do território foi mapeado. Pelo preço corrente do minério, negociado a 154 dólares o quilo, as reservas nacionais conhecidas valem 150 bilhões de reais. Se fossem 280 mil toneladas, valeriam 237 bilhões.

As reservas do País, provavelmente subestimadas, valem 150 bilhões de reais

A INB é uma empresa estatal. Por meio dela, o governo exerce um monopólio constitucional. Pela Carta de 1988, o poder federal tem controle total do mercado de urânio. Da pesquisa e lavra mineral ao processamento, enriquecimento, industrialização e comércio. E só o próprio governo pode legislar sobre o tema. A explicação do controle é simples. Trata-se de atividade de alto risco para a vida humana e o meio ambiente. A escolha do local de uma usina atômica exige lei federal, por exemplo. A INB tem apenas uma mina de urânio explorada hoje. Fica em Caetité, cidade de 52 mil habitantes na Bahia. Produz 400 toneladas ­anuais e fornece para as usinas de Angra. A extração esteve interrompida de 2015 a 2020 e voltou graças ao então ministro Bento Albuquerque.

Em agosto de 2022, na reta final do mandato, Bolsonaro publicou uma Medida Provisória, a 1.133 (convertida na Lei 14.514), para driblar a Constituição e permitir o avanço de investidores sobre o urânio nacional. A MP deu aval à INB para prestar serviços a instituições privadas, inclusive estrangeiras, em pesquisa e lavra de minerais nucleares. O objetivo era atrair capital, segundo o texto da exposição de motivos da MP, assinado por dois ministros da época: os ultraliberais Paulo Guedes, da Economia, e Adolfo Sachsida, que três meses antes havia assumido a pasta de Minas e Energia no lugar de Albuquerque.

O time de Silveira quer usar o drible de Bolsonaro para promover uma reforma geral na legislação sobre urânio e energia atômica, sem a necessidade de uma mudança constitucional. Aprovar uma lei no Congresso é mais fácil do que mexer na Constituição. Requer menos votos. O plano foi verbalizado, em maio, pelo diretor de Planejamento e Política Mineral, Anderson Barreto Arruda, em um evento setorial, o Nuclear Trade & ­Technology ­Exchange. “O nosso principal trabalho hoje no ministério, no âmbito do meu departamento, é o setor nuclear, como atrair investimento, como desenvolver o setor nuclear no Brasil”, comentou. Segundo ele, o cenário internacional é favorável à expansão da exploração de urânio, com demanda crescente e oferta restrita.

Nos bastidores. Arruda defende o fim do monopólio estatal como forma de atrair investimentos e suprir a demanda – Imagem: Redes Sociais

Desenha-se uma corrida mundial por urânio e energia atômica. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, lançou, em maio, um programa de estímulo a esse tipo de energia. Os sistemas de Inteligência Artificial das big techs são sorvedouros de eletricidade. O consumo de energia das “fazendas de servidores” nos EUA terá dobrado de 2023 a 2028, nos cálculos norte-americanos. A China, a quem Trump enfrenta em aliança com as big techs, tem construído, por ano, dez reatores nucleares, o “coração” de uma usina. Os EUA fabricaram somente três em 30 anos.

Na Europa, a tentativa de fugir da dependência do gás russo como fonte de energia empurra a Alemanha para um acordo com a França. Nesta, 65% da matriz elétrica é nuclear, e os franceses querem que o continente classifique tal energia como “renovável”. A Alemanha, onde o uso de usinas atômicas é tema eleitoral, por ora a considera como “de baixo carbono”, mas não “renovável”. Em junho, o Banco Mundial decidiu abandonar a política de não financiar projetos na área nuclear. Uma das razões foi uma declaração firmada por 22 países na COP28, em 2023. Essas nações afirmaram apoiar a expansão da energia nuclear, que é limpa em sua produção, apesar dos perigos do lixo atômico. Entre os signatários da declaração estavam EUA, França e Japão.

Antes da corrida mundial, havia no Brasil quem se empenhasse por entregar o urânio nacional: Bento Albuquerque. Em 2017, o governo Temer reativou o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro. O grupo havia sido criado em 2008, no segundo mandato de Lula, e tinha como uma das metas a autossuficiência na produção de energia atômica. Não havia interesse em exportar urânio bruto, mas usar a tecnologia que o País possui e transformar o minério em combustível, de maior valor agregado, para gerar energia.

A equipe do ministério quer mudar as regras sem ter de mexer na Constituição

Albuquerque fazia parte do reativado comitê. Tinha sido designado como representante do ministro da Defesa da época, Raul Jungmann, desde 2022 presidente do Instituto Brasileiro de Mineração. Na reunião inaugural do comitê, em outubro de 2017, decidiu-se estudar a quebra do monopólio estatal de pesquisa e lavra de urânio. Trilha ratificada no encontro seguinte, em outubro de 2018, quando se resolveu ainda examinar o aumento da produção destinada a gerar energia. Albuquerque participou dos dois encontros, conforme as atas. Em maio de 2021, assinou com Bolsonaro, na condição de ministro, uma MP, a 1.049 (convertida na Lei 14.222), que facilitava a exportação de urânio.

O primeiro secretário de Geologia e Mineração na gestão do almirante, o ex-juiz Alexandre Vidigal de Oliveira, é, desde 2021, sócio de uma grande banca de advogados, a Caputo, Bastos e Serra, da qual é sócio também Frederico ­Bedran Oliveira. Este foi diretor de Geologia e Produção Mineral com Albuquerque. Bedran comanda a Comissão de Direito Minerário da OAB do Distrito Federal, onde milita pela quebra do monopólio estatal do urânio. Por iniciativa dele, a OAB–DF realizou um seminário, em dezembro de 2024, para debater o tema.

Após a saída de Vidigal, Albuquerque escalou na Secretaria de Geologia e Mineração um servidor do BNDES, Pedro Paulo Dias, desde 2023 gerente de Inteligência de Mineração e Transformação Mineral do banco. É de se supor que tenha passado por Dias, no BNDES, a aprovação, em 2024, do financiamento de 486 milhões de reais com verba do Fundo Clima para a canadense Sigma­ implantar uma unidade “verde” de industrialização de lítio, usado em reatores que convertem urânio em combustível de usinas atômicas. A poucos dias de deixar o cargo, Bolsonaro baixou um decreto, o 11.120, que retira controles à exportação de lítio, valioso ainda em baterias de carros elétricos e celulares. Como ministro, Albuquerque havia selado um acordo com o BNDES que buscava facilitar a entrada de capital privado no mercado de urânio.

Porta giratória. Oliveira e Bedran foram do ministério e agora trabalham pela abertura – Imagem: Saulo Cruz/MME e Roque de Sá/Agência Senado

A atual secretária de Geologia e Mineração do ministro Silveira não tem ligação direta com o almirante, mas tem com o bolsonarismo. Ana Paula Bittencourt é casada com Jefferson Bittencourt, secretário do Tesouro Nacional dos tempos de Guedes. E estava presente naquele evento de maio, no qual o colega ­Anderson Barreto expôs o plano de abrir o mercado de urânio a investidores privados sem mexer na Constituição.

Barreto, concursado do Ministério do Meio Ambiente desde 2008, também tem elos com o bolsonarismo. Trabalhou no Programa de Parcerias e Investimentos, o PPI, no governo do capitão. Havia sido nomeado, em 2021, por uma economista da equipe de Guedes, Martha Seillier, mãe da filha do vereador Carlos Bolsonaro. O secretário foi sócio de uma banca advocatícia chefiada pelo suplente da senadora Damares Alves. Sua presença no escritório de Manoel Arruda constava do cadastro da OAB até recentemente. A assessoria de imprensa do Ministério de Minas e Energia disse à reportagem que se tratou de um “erro material” da entidade e que Barreto deixou a banca em 2016. •

Publicado na edição n° 1367 de CartaCapital, em 25 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Mina de lobby’

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Last Update: 18/06/2025