O governo argentino, liderado pelo presidente Javier Milei, anunciou que planeja retirar o país da Organização Mundial da Saúde (OMS). A decisão foi confirmada nesta quarta-feira (5) pelo porta-voz da presidência, Manuel Adorni, que atribuiu a medida a “diferenças profundas” em relação às políticas da agência internacional de saúde, especialmente durante a pandemia de covid-19. A medida imita a retórica de rupturas institucionais de Donald Trump, assim como o anúncio da construção de uma barreira de arame de 200 metros na fronteira com a Bolívia, e o reforço do controle nas divisas com o Brasil e outros países limítrofes.

O governo argentino critica as políticas de lockdown implementadas durante a crise sanitária, que consideram excessivas e prejudiciais à economia e à liberdade individual. O governo Milei critica o papel da OMS na pandemia e argumenta que as diretrizes da organização levaram ao longo confinamento na Argentina durante o governo de Alberto Fernández. No entanto, a OMS não tem poder de impor lockdowns, apenas recomendações baseadas em evidências científicas. A decisão de implementar restrições foi do governo argentino da época, não da OMS.

Segundo Adorni, a gestão da OMS durante a crise sanitária global resultou “no maior confinamento da humanidade” e foi fortemente influenciada por interesses políticos de alguns Estados, acusando a organização de ser “controlada pela China”. Ele destacou que a saída da organização representa também uma questão de soberania nacional. “Os argentinos não vão permitir que uma organização internacional intervenha na nossa soberania, e muito menos na nossa saúde”, declarou.

A decisão do governo argentino de sair da OMS é um movimento que reflete a visão ultraliberal de Javier Milei e sua crítica aos organismos internacionais. No entanto, a medida levanta questões sobre os reais benefícios para a Argentina e os possíveis riscos de isolamento em um cenário global cada vez mais interdependente. Do mesmo modo, a cerca na fronteira levanta questionamentos sobre sua legalidade e impactos diplomáticos, especialmente no âmbito do Mercosul.

Enquanto o governo defende a medida como uma afirmação de soberania, acende-se o alerta de que a saída da OMS pode limitar a capacidade do país de responder a futuras crises de saúde e de participar de iniciativas globais. O debate sobre o papel da OMS e a soberania nacional continuará a ser um tema central na política internacional, especialmente em um mundo pós-pandemia.

Apoio a Trump e alinhamento ideológico
O anúncio ocorre pouco depois de o presidente dos EUA, Donald Trump, assinar uma ordem executiva iniciando a retirada dos Estados Unidos da OMS. Milei e Trump têm expressado admiração mútua, com o argentino chamando a reeleição do norte-americano de “o maior retorno político da história”. Trump, por sua vez, descreveu Milei como “meu presidente favorito”.

A saída dos EUA da OMS levanta questões sobre o futuro financeiro da organização, uma vez que o país é o maior contribuinte individual, investindo cerca de US$ 950 milhões anuais. Já a contribuição da Argentina é de aproximadamente US$ 8 milhões anuais, um montante que não deve causar impacto significativo no orçamento da OMS. O temor, no entanto, é que outros países sigam o exemplo e comprometam a credibilidade da instituição.

Assim, o impacto financeiro da retirada será irrelevante para o organismo, assim como 200 metros de cerca de arame para controle imigratório. Isso levanta uma questão: a saída trará ganhos concretos para a Argentina, ou se trata apenas de uma estratégia para reforçar a imagem de Milei como aliado de Donald Trump?

Soberania ou Isolamento?

A justificativa do governo argentino para a saída da OMS gira em torno da defesa da soberania nacional e da autonomia na gestão da saúde. No entanto, críticos questionam se a medida não isolará o país em um momento em que a cooperação internacional é crucial para enfrentar desafios globais, como pandemias e mudanças climáticas. Nenhum outro país latino-americano indicou intenções de deixar a OMS, e até mesmo governos conservadores mantêm sua participação no organismo.

A OMS desempenha um papel fundamental na coordenação de respostas a crises de saúde, no compartilhamento de conhecimento científico e na distribuição de vacinas e medicamentos. A saída da Argentina pode limitar seu acesso a essas redes de colaboração, especialmente em futuras emergências sanitárias.

Além disso, a decisão de Milei é vista por alguns como uma jogada política alinhada ao seu discurso de extrema-direita e anti-instituições, que busca reduzir a influência de organismos internacionais. No entanto, especialistas em saúde pública alertam que a medida pode ter consequências negativas para a população argentina, que perderá o apoio técnico e logístico da OMS.

Outros acordos internacionais

Fontes da imprensa argentina indicam que Milei deve assinar uma ordem executiva nos próximos dias para oficializar a retirada do país da OMS. O processo, no entanto, pode levar até um ano para ser concluído.

Questionado se a Argentina pretende deixar outros organismos ou tratados internacionais, Adorni não descartou a possibilidade. “O presidente está muito determinado em tornar a Argentina mais livre. Qualquer vínculo com entidades que limitem nossas liberdades será reavaliado”, afirmou.

A decisão gerou preocupação entre ativistas ambientais, que temem que Milei siga os passos de Trump e também retire a Argentina do Acordo de Paris, tratado internacional voltado à redução de emissões de gases do efeito estufa. Desde sua posse, Milei tem demonstrado ceticismo sobre políticas ambientais globais, o que pode indicar um possível próximo passo em sua estratégia de desfiliação de organismos internacionais.

Especialistas apontam que a iniciativa da cerca contra bolivianos pode ferir princípios do Mercosul, que promove a integração e a livre circulação de pessoas. Barreiras físicas unilaterais também violam princípios do direito público internacional. Por outro lado, a história migratória da Argentina contrasta com a medida proposta. Muros não impedem tráfico de drogas e contrabando, senão, os Estados Unidos já teriam resolvido sua crise migratória. O crime organizado sempre encontra novas rotas, e soluções eficazes passam por inteligência compartilhada e monitoramento eletrônico.

A postura de Milei em relação a organismos multilaterais reflete uma visão de mundo que prioriza a soberania nacional em detrimento da cooperação internacional. No entanto, em um mundo cada vez mais interconectado, especialistas argumentam que o isolamento pode ser contraproducente, especialmente em áreas como saúde e meio ambiente, onde os desafios transcendem fronteiras nacionais.

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Last Update: 05/02/2025