Javier Milei atravessa a fase mais difícil desde que assumiu a Casa Rosada, sede do governo argentino. Em dois meses — e de forma mais intensa nas últimas semanas — sua imagem positiva caiu 7 pontos, enquanto a desaprovação cresceu na mesma proporção, alcançando 59%, o maior índice desde dezembro de 2023. Segundo pesquisa do Centro de Estudos de Opinião Pública (CEOP), liderado por Roberto Bacman, metade da população já o avalia como “muito ruim”.
A corrosão da imagem presidencial não deriva de um único fator, mas da combinação explosiva entre corrupção e economia — dois temas que, pela primeira vez, se fundem na percepção do eleitorado.

Corrupção no centro da crise
O escândalo de propinas e superfaturamento na Agência Nacional de Deficiência (Andis) se transformou na principal preocupação dos argentinos, diz Bacman, superando até mesmo temas como salários e inflação. Seis em cada dez argentinos apontam Karina Milei, Lule Menem e Diego Spagnuolo como beneficiários diretos do esquema, e quase metade atribui alguma responsabilidade ao próprio presidente.
Segundo a análise de Bacman, o episódio fere a narrativa de Milei como “outsider” que prometia romper com a “casta” política. O caso corroeu o discurso presidencial de combate à “casta política” e mergulhou o governo em paralisia, com desconfianças internas e ausência de respostas coordenadas.
Para ele, o dano não é apenas de imagem, mas de identidade. Milei passou a ser percebido como parte do mesmo sistema que dizia combater, e a corrosão da confiança tem potencial de afetar o núcleo duro de eleitores libertários. O dado mais preocupante: 12% desse grupo já admitem que o caso pode influenciar seu voto.
Economia sem alívio
Se a corrupção mina a legitimidade moral, a economia fragiliza a sustentação material do governo. As expectativas positivas caíram 8 pontos em apenas um mês, e 8 em cada 10 argentinos dizem ter dificuldades para pagar contas básicas — quase metade afirma não conseguir se sustentar. Esse quadro de descontentamento social reduz consumo, leva famílias a recorrer a economias ou dívidas e mina a aposta de Milei na recuperação gradual.
Esse ambiente de frustração explica por que Milei manteve apoio acima de 40% apenas enquanto persistia a esperança de melhora futura. Com a expectativa em queda contínua desde fevereiro, o desgaste se tornou estrutural. O consumo cai, famílias recorrem a marcas de segunda linha, cortam férias e roupas, e muitos queimam o que resta de suas economias.
Impacto eleitoral direto
De acordo com o CEOP, 42% dos eleitores afirmam que o caso de corrupção pode influenciar seu voto, inclusive parte do núcleo libertário radical. Na Província de Buenos Aires, porta-vozes do próprio governo admitem a possibilidade de derrota por até 8 pontos no próximo domingo. Outras sondagens indicam vantagem menor da oposição Fuerza Patria, de cerca de 3 pontos, mas em tendência crescente.
Em um pleito polarizado, onde qualquer ponto percentual pode ser decisivo, a migração ou abstenção de apenas 5% dos eleitores de Milei seria suficiente para mudar o resultado. O risco maior não é a transferência direta de votos para o rival, mas a apatia de libertários e independentes que já não se sentem representados.
Governo esgarçado e ausência de liderança
A crise não se limita às urnas. O próprio ambiente interno da Casa Rosada dá sinais de paralisia. Gravações envolvendo Karina Milei, reconhecidas pelo governo, alimentam desconfiança entre aliados e travam a administração. O episódio evidencia fragilidade de comando: o presidente se mostra distante, enquanto conflitos internos corroem a governabilidade.
Viagens polêmicas ao exterior e a baixa adesão a eventos de campanha reforçam a imagem de dispersão. O contraste entre a urgência eleitoral e o comportamento presidencial sugere um vazio de liderança justamente no momento mais crítico.
Campanha fragilizada
Com a imagem abalada, a La Libertad Avanza tem dificuldade para manter mobilizações de rua e presença midiática. Eventos recentes contaram com pouca adesão, e Karina Milei chegou a ser aconselhada a não comparecer em determinadas agendas. A ausência de uma resposta firme ao escândalo e episódios como a viagem de Milei a Los Angeles e Las Vegas, em meio à turbulência, reforçam a percepção de descaso com as eleições decisivas de setembro e outubro.
O diagnóstico é claro: Milei enfrenta simultaneamente um problema ético, com denúncias de corrupção, e um problema estrutural, com economia estagnada e expectativas em queda. Ambos se retroalimentam: a percepção de um governo corrupto reduz a paciência social para esperar melhorias futuras.
A recuperação não é impossível, como lembra Bacman, mas exigiria não apenas estabilizar a economia em curto prazo, como também reconstruir credibilidade política — algo difícil quando os nomes mais próximos ao presidente figuram entre os acusados.