O Brasil assiste com olhos atentos cada capítulo da novela jurídica envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Do passo a passo das investigações às operações da Polícia Federal, o noticiário não deixa escapar nenhum detalhe. Mas há um movimento paralelo, mais sutil e igualmente estratégico, que passa quase despercebido e pode ser decisivo para o futuro do bolsonarismo: a ascensão de Michelle Bolsonaro como peça central na reconstrução narrativa e emocional da extrema-direita.

Em agosto de 2022, neste mesmo blog, escrevi um artigo intitulado Como Michelle Bolsonaro tenta conquistar a mente e o coração das evangélicas, analisando seu discurso na convenção nacional do Partido Liberal. Desde então, a ex-primeira-dama vem refinando sua receita. As postagens recentes em seu Instagram revelam novos ingredientes: uma dosagem ainda mais intensa de vitimização, sacrifício familiar, e uma poderosa chancela espiritual.

A estratégia é clara: retratar Bolsonaro como mártir de uma “ditadura do STF” e, ao mesmo tempo, consolidar Michelle como a nova “escolhida por Deus” para conduzir o rebanho conservador. O repertório inclui textos bíblicos, expressões do universo evangélico e uma narrativa emocional que dialoga diretamente com milhões de brasileiras conservadoras.

A escalada é perceptível. Na quinta-feira, 17 de julho, Donald Trump publicou uma carta em apoio a Bolsonaro, acusando um “sistema injusto” de persegui-lo e exigindo o fim imediato de seu julgamento. Horas depois, Lula respondeu em cadeia nacional, chamando o gesto de Trump de “chantagem inaceitável”. No dia seguinte, Michelle postou em seus stories:

“Senhor, Te amarei e Te louvarei por todos os dias da minha vida. Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor.”

Era o dia em que Bolsonaro se tornava alvo de uma operação da Polícia Federal em Brasília. Mais tarde, Marco Rubio, secretário de Estado de Trump, anunciou a revogação dos vistos de Alexandre de Moraes, seus aliados e familiares – numa ofensiva sem precedentes.

No sábado, 19, já com Bolsonaro usando tornozeleira eletrônica e proibido de se comunicar com diplomatas ou redes sociais, Michelle voltou ao Instagram. Postou a música de um cantor evangélico famoso, destacando o verso:

“A alegria do Senhor é a nossa força ah-ah-ah-ah.”

E completou com: “Te amo, Senhor” e um emoji de coração. No domingo, 20, a narrativa de resiliência se intensificou:

“A minha semente de dor se transformará em uma árvore de vida.”

Essas publicações não são aleatórias. São peças de um quebra-cabeça cuidadosamente montado para manter a base mobilizada e emocionalmente engajada.

No mesmo período, a senadora Damares Alves, pastora evangélica e ex-ministra, fez um pronunciamento simbólico:

“Eu vi nascer da humilhação a maior líder que esta nação poderia esperar. Bolsonaro vai se calar, e quem vai nos conduzir é Michelle. Nós, mais de 50% da população, vamos nos unir em solidariedade a uma dona de casa que se tornou a maior líder da nação.”

Damares conclamou as mulheres conservadoras para uma manifestação em Brasília no domingo, 20 de julho:

“O Brasil é nosso. Não à ditadura. Deixem a camisa sempre arrumada, a bandeira na janela. Voltamos às ruas porque o Brasil é nosso.”

A construção narrativa segue o roteiro clássico da “jornada do herói”: um personagem comum, testado pela adversidade, que retorna transformado em líder messiânico. Mas, desta vez, não é Bolsonaro o protagonista absoluto – é Michelle. Desde que assumiu o comando do PL Mulher, ela percorre o país arrebanhando novas filiadas evangélicas e católicas conservadoras.

Para muitos fiéis, suas tribulações são sinais de uma missão divina. Ao agradecer a Deus nos momentos de maior tensão, Michelle reforça a ideia de que a vitória – o retorno da direita ao Planalto – será “para a glória do Senhor Jesus”, ecoando um discurso teocrático que alimenta a base mais radical.

Com Damares como mentora e estrategista, Michelle emerge como figura central na tentativa de restaurar o bolsonarismo. Ela encarna o “destino glorioso” que promete unir fé e política em uma cruzada pelo poder. Resta saber se o Brasil está preparado para os próximos capítulos.

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Last Update: 25/07/2025