Metalúrgicos de Osasco: o livro e dois fatos de relevância nacional
por Ana Luiza Ruy
O projeto do Centro de Memória Sindical para o livro sobre o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco começou em 2012. Naquela época, fizemos entrevistas, pesquisas. Tive a oportunidade de entrevistar o José Ibrahim, o que foi muito enriquecedor. Além da importância política dele, ele tinha uma visão ampla do movimento sindical, e uma visão já distanciada da história do Sindicato. Por exemplo, ele ressaltou a importância e o papel do Henos Amorina, que também foi presidente da entidade e disputou com ele a eleição no Sindicato em 1967. O Henos fez uma trajetória no Sindicato como um presidente mais conservador e foi crescendo politicamente através dos embates contra a ditadura.
Fizemos uma exposição fotográfica, uma linha do tempo. Mas não conseguimos concluir o livro. Em 2013, infelizmente o Zé Ibrahim faleceu. Com o material que tínhamos, organizamos uma exposição em sua homenagem no Congresso da Força Sindical.
No fim de 2022 o Milton Cavalo, que é presidente do Centro de Memória Sindical e tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, e o Gilberto Almazan, que é o presidente do Sindicato, me chamaram para retomar o projeto. A ideia era fazer uma atualização desse período para lançar o livro.
Então fiz mais algumas entrevistas, com o Gilberto, depois com o João Batista e também com o Jefferson Martinho, que foi assessor de imprensa do sindicato na época do Magrão, presidente, e também do Eduardo Pavão. Trabalhei na contextualização desses 10 anos.
E o Sindicato conseguiu, enfim, lançar o livro sobre os 60 anos de sua história em 25 de julho de 2024, em uma grande festa na sede do Sindicato, com a presença de muitos operários, com a participação de jornalistas como o Renato Rovai, da Revista Fórum, e Cynara Menezes, do site Socialista Morena, além de diversas lideranças sindicais e políticas.
Como coordenadora do projeto que resultou no livro, também participei do lançamento e tive a oportunidade de destacar alguns pontos que considero essenciais na história do Sindicato. Abordo aqui dois desses pontos que tem uma relevância nacional, para além da memória institucional. São eles: a greve de 1968 e a questão da saúde e segurança.
Greve dos Metalúrgicos de Osasco de 1968
Sobre a greve de 68, é importante pontuar que em 1967 a chapa do José Ibrahim, que era um jovem de 19 anos, com perfil bastante combativo e radical, ganhou a eleição para o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. Vencer em plena ditadura militar, com aquele perfil radical, foi um grande feito. Ibrahim tinha o apoio dos estudantes, de grupos católicos progressistas e consta que desde que assumiu tinha a ideia de ir para o enfrentamento e fazer a greve.
1968 foi um ano emblemático no Brasil e no mundo, de muitos acontecimentos políticos, culturais, de resistência e também de muita repressão. Aqui no Brasil, no movimento sindical, teve a greve dos Metalúrgicos de Contagem, em abril, que foi a primeira grande greve durante a ditadura. Ela começou com um perfil reivindicativo, por aumento salarial, e depois, no processo (durou um tempo considerável), dada aquela situação de repressão, adquiriu um caráter mais político.
Em São Paulo, no 1º de Maio de 68, os metalúrgicos de Osasco junto com estudantes e ativistas políticos, organizaram um ato de boicote ao evento realizado na Praça da Sé com a presença do governador biônico (indicado pela ditadura), Abreu Sodré, em São Paulo, pelo Dia do Trabalhador.
Os sindicalistas conseguiram parar o evento. Destruíram o palanque, depois saíram em marcha da Sé até a Praça da República. José Campos Barreto, o Zequinha Barreto, personagem importante desta história, que também era metalúrgico de Osasco, fez um discurso inflamado contra a ditadura (tempos depois ele partiu para a luta armada com o capitão Carlos Lamarca e foi assassinado pela ditadura com o Lamarca na Bahia em 1971. Isso é outra história).
Então foi nesse contexto de efervescência que a greve de Osasco aconteceu. Quando falamos na greve de Osasco de 68, é importante ter em mente a greve de Contagem e o 1º de Maio, para entender porque ela foi reprimida de uma maneira tão imediata.
Diferente da greve de Contagem, ela teve um caráter político, de combate à ditadura desde o início, além da sua pauta reivindicativa.
Naquela altura, devido aos acontecimentos anteriores, a ditadura já estava alerta, tanto com relação à possibilidade de movimentos de resistência e greves, quanto com relação aos metalúrgicos de Osasco que lideraram o ato do 1º de maio. Desta forma, quando começou a greve, a repressão já estava montada.
No livro sobre os 60 anos do Sindicato, há uma fala do Zé Ibrahim que mostra como foi aquele momento:
“Quando pararam a Cobrasma, logo de manhã, e a Lonaflex, na troca de turno das duas horas da tarde, o governo entrou em contato comigo. Como presidente, falei que o Sindicato estava solidário, que conhecíamos as reivindicações e que queríamos intermediar a negociação. Embora eles soubessem, eu não podia declarar que o Sindicato havia organizado a greve. Aí disse ao nosso pessoal que uma comissão do governo viria negociar. Mas quando anoiteceu o Exército cercou tudo! Cercou o Sindicato e as empresas que estavam ocupadas. Isso tudo em um dia. Eles esperaram anoitecer e invadiram a Cobrasma e a Lonaflex. Teve pau, teve confronto, gente ferida dos dois lados. Na Lonaflex saiu todo mundo organizado em bloco. Eles andaram mais de meia hora, depois cada um se dispersou para um lado. Na Cobrasma prenderam umas seiscentas pessoas”.
Isso mostra como o aparato de repressão já estava montado e que Osasco estava na mira. Com a repressão o Ibrahim foi para a clandestinidade, foi exilado em 1969 e voltou somente com a Anistia em 1979.
A greve não foi um fato isolado. Ela foi resultado de um processo que começou com a eleição da chapa do Ibrahim em 1967, que veio com essa disposição de enfrentamento da ditadura, culminando com a greve. Isso fez dela uma greve importante e histórica, que após um longo período de intensa repressão, influenciou a organização das greves de 1978 a 1980.
Saúde e segurança no trabalho
Outro ponto importante a destacar é a questão da saúde e segurança. Justamente nesse longo período de intensa repressão, desde 1968 até cerca de 1974, na época que a ditadura chamou de “milagre econômico”, aumentaram muito os acidentes de trabalho. Até porque com os sindicatos e os movimentos políticos reprimidos era mais fácil para as empresas burlarem as normas de segurança no trabalho. Então essa se tornou uma pauta muito importante para o movimento sindical.
E ela começou a entrar nas convenções coletivas com a possibilidade de diálogo e negociação conquistada nas greves de 1978 a 1980.
Então nesse contexto de aumento dos acidentes de trabalho e de retomada dos acordos coletivos pelos sindicatos após a onda de greves, essa pauta ganhou espaço. Em 1979 foi organizada a primeira Semana de Saúde do Trabalhador, por um conjunto de sindicatos, entre eles o de Osasco. Logo depois Osasco assumiu isso, muito através do esforço de Carlos Aparício Clemente que é uma liderança que estava surgindo naquele momento.
Naquele período de reorganização do movimento sindical os Metalúrgicos de Osasco assumem esse perfil de organização nos locais de trabalho e com uma ênfase muito forte na questão da saúde e segurança. E se torna a grande referência para todo o movimento sindical brasileiro neste assunto até hoje.
Atualização necessária
Quando acabamos aquela fase do livro em 2012 essa crise pela qual o movimento sindical e o país passaram, não estava no horizonte. Isso tornou essa atualização fundamental.
Desde então passamos pelo impeachment, que foi o golpe contra a Dilma Rousseff, pelas reformas liberais do governo Temer, especialmente a reforma trabalhista que teve a intenção de destruir os sindicatos, depois por um governo de extrema direita que trazia muito a memória da ditadura militar e também destruição de direitos sociais e trabalhistas, e ainda uma pandemia que se impôs de forma avassaladora no mundo, destruindo economias, empregos e milhares de vidas. Isso também exigiu uma postura combativa e aguerrida do Sindicato tanto na política quanto na questão da saúde no trabalho.
O Sindicato divulgar sua história, na comemoração de seus 61 anos, tendo atravessado a ditadura militar, esse período de crise mais recente, e estar com planos de crescimento é uma demonstração não só de força, mas da resistência do movimento sindical e em especial dos metalúrgicos de Osasco.
Ana Luiza Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical