Em política, os indivíduos importam – e muito. Se um presidente de esquerda enfrenta uma crise política, faz grande diferença quem ocupa a vice-presidência. Em 2005, por exemplo, quando o presidente Lula enfrentou a maior crise de seu mandato e a direita articulava abertamente um golpe, o fato de o vice-presidente ser um empresário nacionalista, leal e sem pretensões políticas, como José Alencar, foi crucial para arrefecer os movimentos golpistas. Seguindo essa lógica, quando Dilma Rousseff foi acossada pelo golpismo de Aécio Neves e Eduardo Cunha, a presença de um vice conservador, articulado e disposto a tomar o poder – como Michel Temer – foi decisiva para o desfecho do impeachment.
Nesse contexto, as eleições de Hugo Motta (Republicanos – PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil – AP) para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal marcam um novo ciclo político, especialmente no caso do primeiro.
Não, não haverá nenhuma mudança estrutural na dinâmica do parlamento. Isso só seria possível com eleições e intensa mobilização popular. Mas podemos antecipar que a saída de Arthur Lira, por si só, já melhora o ambiente tanto para o governo quanto para os próprios parlamentares.
O poder de Lira ia além da distribuição de emendas parlamentares – mecanismo que o antecede e seguirá por um bom tempo. O ponto central é que Lira fez um acordo com Bolsonaro, ainda em seu primeiro mandato como presidente da Câmara, para compartilhar não só o orçamento, mas a própria estrutura do Estado brasileiro. Esse arranjo garantiu estabilidade ao então presidente, permitindo que ele focasse em seu projeto golpista, enquanto Lira e a elite política ampliavam seu domínio sobre a máquina pública.
Esse modelo de governança era incompatível com a Constituição e só foi possível porque Bolsonaro estava mais interessado em sua agenda autoritária do que na gestão estatal. Lira tentou repetir o esquema com Lula, mas sem sucesso. Muitos dos conflitos entre o deputado e o governo – como a ruptura com o ministro Alexandre Padilha – e entre Lira e o STF, especialmente com o ministro Flávio Dino, derivam dessa tentativa frustrada de manter sua influência, dobrando apostas contra as instituições, um traço característico da extrema-direita.
Motta adota um estilo diferente e vem demonstrando isso em seus primeiros atos no comando da Câmara. Vale lembrar que sua eleição representou uma derrota para Lira, que apoiava Elmar Nascimento (UB). No entanto, ao perceber a inviabilidade de seu candidato, Lira recuou estrategicamente e passou a endossar a candidatura de Motta.
Os novos dirigentes já garantiram a manutenção das emendas parlamentares no modelo atual – um entrave para a democracia. No entanto, demonstraram maior disposição para negociar com o STF, o que é lógico, já que as exigências da Corte envolvem apenas respeito às regras constitucionais de transparência e prestação de contas. Lira se recusava a dar esse “passo atrás”, como se estivesse acima da lei.
Na pauta econômica, o maior desafio do governo será a aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos. Aqui, o tempo joga a favor do Planalto, pois a proposta tem forte apelo popular e eleitoral para 2026. Motta e Alcolumbre já deram declarações favoráveis ao tema, especialmente o senador, que afirmou:
“A agenda eleita na última eleição foi a apresentada pelo presidente Lula. Nenhum senador tem direito de atrapalhar a agenda do governo. O governo terá sua agenda totalmente respeitada. Vamos ajudar na agenda do governo no que couber ao parlamento.”
Ambos também apoiam a regulamentação das redes sociais, embora seja improvável que priorizem essa discussão, sobretudo no Senado, onde a tramitação deve ser iniciada pela Câmara.
No Senado, o cenário aparenta maior estabilidade, apesar da presença inédita do PL na mesa diretora. O maior risco está na próxima legislatura, quando a extrema-direita já anunciou que buscará maioria para eleger o presidente da Casa e, assim, paralisar o governo, além de pressionar o STF com pedidos de impeachment de ministros.
Isso não significa que não haverá retrocessos. Por exemplo, a posição de Alcolumbre favorece a exploração de petróleo na margem equatorial amazônica, pauta combatida por movimentos indígenas e ambientalistas. Contudo, um “rolo compressor” bolsonarista é improvável no Senado.
Por fim, a questão da anistia aos golpistas de 8 de janeiro será decidida majoritariamente na Câmara, ampliando o peso de Hugo Motta no debate. Até agora, ele tem evitado se posicionar de forma clara, mas a pressão aumentará nas próximas semanas. O desfecho dependerá não só da dinâmica interna do Congresso, mas também da capacidade de mobilização da sociedade civil contra a anistia.