A resistência ao aumento do IOF é uma forma de manter intocado o patrimônio do topo da pirâmide

 

O vice-líder da bancada do PT na Câmara, Merlong Solano (PI), defende as ações fiscais e de justiça tributária encaminhadas pelo governo Lula ao Congresso Nacional e critica a reação deturpada e exagerada dos setores privilegiados da sociedade, que pagam pouco ou nenhum imposto.

“A celeuma provocada por pequenos ajustes no Imposto sobre Operações Financeiras escancara uma realidade perturbadora: o setor financeiro e alguns segmentos da elite do País continuam a ser tratados como casta intocável, imunes a qualquer tentativa de justiça tributária”, escreveu Merlong, em artigo publicado na revista Carta Capital.

Segundo ele, “grande parte do alvoroço em torno das mudanças proposta no IOF baseia-se em mentiras propagadas por setores interessados em manter seus benefícios, com apoio da mídia tradicional.”

O deputado critica também o Congresso, que é “dominado por interesses que perpetuam a desigualdade”, observando que “enquanto se criticam supostos excessos do governo, ignora-se o crescimento explosivo das emendas parlamentares, que saltaram de 6 bilhões de reais, em 2014, para mais de 50 bilhões de reais , em 2024, expansão estimulada e ocorrida predominantemente no governo Bolsonaro.”

“O Brasil precisa mesmo, e urgentemente, é de uma reforma tributária progressiva, que taxe grandes fortunas e rendas financeiras, em vez de sobrecarregar os mais pobres. O ajuste no IOF é um passo pequeno, mas simbólico, nessa direção. Quem se opõe a ele não defende a economia, mas privilégios de uma minoria que sempre lucrou à custa do resto do País”, diz o vice-líder do PT.

Leia a íntegra do artigo:

 

 

Os intocáveis

 

A resistência ao aumento do IOF é uma forma de manter intocado o patrimônio do topo da pirâmide

 

Merlong Solano (*)

 

A celeuma provocada por pequenos ajustes no Imposto sobre Operações Financeiras escancara uma realidade perturbadora: o setor financeiro e alguns segmentos da elite do País continuam a ser tratados como casta intocável, imunes a qualquer tentativa de justiça tributária. Enquanto a maioria da população paga impostos sobre consumo e renda de forma regressiva, o grande capital e as operações financeiras de alto valor desfrutam de privilégios escandalosos

 

Grande parte do alvoroço em torno do IOF baseia-se em mentiras propagadas por setores interessados em manter seus benefícios, com apoio da mídia tradicional. Um exemplo é o de que o ex-presidente Jair Bolsonaro teria reduzido as alíquotas do imposto. Na verdade, ele começou a cair no governo Lula, de 6,38%, em 2022, para 5,38%, em 2023, e para 3,38% neste ano. Bolsonaro apenas assinou um decreto estabelecendo a redução gradual até zerar o tributo em 2028. Seu governo não fez nada, usou uma pirotecnia desinformativa nas redes sociais com o objetivo de enganar as classes médias e ricas, que compram dólares para viagens internacionais. O governo atual propôs mudança insignificante: aumento de 0,12% no IOF sobre cartões de crédito e débito internacionais (de 3,38% para 3,5%); Uma alteração mínima, mas que gerou reações desproporcionais.

 

Outra falácia amplamente difundida é a de que o governo atual iria aumentar o IOF para cobrir supostos gastos descontrolados. No mesmo dia em que anunciou as mudanças no imposto, o governo Lula cortou 31,3 bilhões de reais em despesas, demonstrando compromisso com o ajuste fiscal. Além disso, as contas públicas mostram que a despesa total do governo federal em relação ao PIB caiu de 19,5%, em 2023, para 18,8%, em 2024. Ou seja, o discurso da “gastança” não resiste aos fatos.

A resistência ao aumento do IOF evidencia um Congresso dominado por interesses que perpetuam a desigualdade. Enquanto se criticam supostos excessos do governo, ignora-se o crescimento explosivo das emendas parlamentares, que saltaram de 6 bilhões de reais, em 2014, para mais de 50 bilhões, em 2024, expansão estimulada e ocorrida predominantemente no governo Bolsonaro. O mesmo Congresso, com quase os mesmos líderes conservadores, aprovou projetos que, progressivamente, aumentaram os incentivos fiscais ao absurdo de cerca de 600 bilhões de reais por ano. E, recentemente, renovou a desoneração da folha de pagamento de 17 setores privilegiados da economia, prejudicando a arrecadação necessária para as políticas sociais. A resistência aos ajustes no IOF insere-se num cenário em que há um Parlamento fortemente influenciado pelos interesses que sustentam a pirâmide de desigualdades no Brasil, um dos países com a pior distribuição de renda do mundo. Na prática, trata-se de uma visão impermeável à noção de justiça tributária. A mudança teve grande repercussão no Congresso porque lá o setor financeiro e o grande capital são super- -representados. Não lhes faltam apoiadores, inclusive na mídia, dispostos a sabotar políticas capazes de reduzir a regressividade de nosso sistema tributário e barrar a tendência de aumento da dependência do governo ao financiamento da banca financeira por meio do crescimento da dívida pública.

 

Viciado em superlucros no curto prazo, o setor financeiro trabalha para dinamitar qualquer medida que aponte no rumo do equilíbrio das contas públicas. A população precisa ficar atenta para não cair em armadilhas “informativas”, especialmente nas redes sociais. É bom saber que as medidas do governo não alteram em nada as regras para empréstimos e financiamentos a pessoas físicas. Portanto, para essas operações continuam a valer as regras atuais.

 

O IOF é um instrumento crucial para frear a sonegação e a evasão fiscal das elites. Um dos alvos das novas regras é o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), usado por milionários como mecanismo para escapar do Imposto de Renda. A nova alíquota de 5% sobre aportes mensais acima de 50 mil reais visa fechar essa brecha, preservando a isenção para aplicações menores, ou seja, protegendo a classe média e os pequenos investidores. Hoje, setores de altíssima renda usam esse instrumento como escoadouro de sonegação fiscal.

Do ponto de vista macroeconômico,  o IOF é uma ferramenta complementar importante que pode evitar a elevação da taxa Selic para controlar a inflação. Enquanto o aumento dos juros encarece o crédito para todos e amplia a dívida pública, o ajuste do IOF permite uma política contracionista sem onerar o Estado do. Estima-se que a mudança no IOF proposta para pessoas jurídicas tenha efeito equivalente a um aumento de 0,5% na Selic, o que pode evitar nova alta dos juros, hoje em patamares estratosféricos (14,75% ao ano). Quem ganha absurdamente com a taxa Selic não quer mudanças, obviamente. Em termos sistêmicos, de política econômica cíclica ou anticíclica, o IOF é um instrumento muito mais eficaz do que a taxa Selic, pois seu controle e a definição de suas alíquotas, para mais ou para menos, permitem definir o nível de acesso a crédito na economia. Há outra resposta mais simples à resistência às mudanças: o IOF é um imposto difícil de sonegar e permite rastrear movimentações financeiras suspeitas. Isso desagrada tanto aos super-ricos, que buscam escapar da tributação, quanto o crime organizado, que depende da opacidade das transações.

Enquanto a mídia tradicional e as redes sociais reproduzem teses enganosas, os verdadeiros responsáveis pela desigualdade seguem intocados. O Brasil precisa mesmo, e urgentemente, é de uma reforma tributária progressiva, que taxe grandes fortunas e rendas financeiras, em vez de sobrecarregar os mais pobres. O ajuste no IOF é um passo pequeno, mas simbólico, nessa direção. Quem se opõe a ele não defende a economia, mas privilégios de uma minoria que sempre lucrou à custa do resto do País. Enquanto tudo isso acontece sob nossos olhos, os bobos da corte engolem tudo o que é dito na grande mídia, repleta de porta-vozes do chamado “mercado”, e nas redes sociais, para felicidade de quem, em seus iates de luxo, brinda com vinhos caros comprados com rendas não tributadas.

 

(*) Deputado federal (PT–PI) e vice-líder do partido na Câmara.

 

Artigo publicado originalmente na revista Carta Capital

 

Redação PT na Câmara

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Last Update: 14/06/2025