Depois de mais de duas décadas de negociação, marcadas por impasses, incertezas e mudanças de governo, o Mercosul e a União Europeia anunciaram o acordo de livre comércio entre os dois blocos.

Ao longo de um ano em que parecia que as diferenças entre atores dos blocos iriam prevalecer e emperrar o acerto, as tratativas avançaram nas últimas semanas. A chegada da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a Montevidéu, no Uruguai, para a reunião do Mercosul, nesta semana, aumentou a expectativa sobre o anúncio, que foi finalmente feito nesta sexta-feira 6.

Na coletiva após a reunião, a autoridade europeia disse que “este é um acordo ganha-ganha, que trará benefícios significativos para consumidores e empresas, de ambos os lados”.

“Estamos focados na justiça e no benefício mútuo. Ouvimos as preocupações de nossos agricultores e agimos de acordo com elas. Este acordo inclui salvaguardas robustas para proteger seus meios de subsistência”, salientou von der Leyen. 

A representante da Comissão Europeia fez questão de dar um recado à população do bloco, especialmente em meio à resistência (francesa, mais intensamente) pelo acordo. “Às nossas populações e economias, esse acordo significa mais trabalhos e oportunidades”. 

O governo Lula (PT) comentou o anúncio do acordo, através de nota publicada logo após a coletiva na capital uruguaia. “De forma inovadora, o Acordo abre oportunidades de comércio e investimentos sem comprometer a capacidade para a implementação de políticas públicas em áreas cruciais como saúde, desenvolvimento industrial e inovação”, disse o Planalto.

Segundo o governo, o acordo “oferece mecanismos para lidar com eventuais impactos negativos de medidas unilaterais que possam afetar exportações do Mercosul”. Assim, “os dois blocos acordaram compromissos em matéria de desenvolvimento sustentável que adotam abordagem colaborativa e equilibrada, reconhecendo que os desafios nessa área são comuns e devem ser enfrentados de forma cooperativa”.

Mercado comum de mais de 700 milhões de pessoas

O objetivo central do acordo Mercosul-UE é fortalecer e estreitar as relações entre os países dos blocos. Para isso, o acordo estabelece uma série de eixos.

Além do livre comércio, em si, o acerto pretende promover cooperação política e ambiental entre europeus e sul-americanos. Há, ainda, abertura para compras governamentais, padronização das normas sanitárias e medidas de proteção dos direitos de propriedade intelectual. 

A ideia é que o acordo possa criar um fluxo de comércio na casa dos 274 bilhões de reais. Esse montante envolveria o comércio de uma longa lista de produtos agrícolas e manufaturados.

Desde que o acordo foi tomando forma, mais recentemente, institutos de pesquisa, especialistas e analistas de política e de mercado se dividiram sobre os benefícios e eventuais riscos do acerto.

Um deles foi o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que, neste ano, publicou um estudo que mostra que o acordo Mercosul-UE poderia criar um incremento de 0,46% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, até 2034. Em valores totais, isso somaria pouco mais de 9 bilhões de dólares por ano à economia brasileira. 

Como o acordo facilita exportações e importações entre os países dos dois blocos, a balança comercial brasileira seria impulsionada. Segundo o Ipea, o Brasil passaria a importar mais logo nos primeiros anos, chegando a um pico de 12,8 bilhões de dólares em 2034. Já as exportações poderiam acumular ganhos acumulados, nas próximas décadas, da ordem de 11,6 bilhões de dólares.

Pela avaliação do Ipea, o cenário positivo poderia ser alcançado pela queda das tarifas de importação na UE, aumentando o volume de exportação dos setores. Como o custo local de insumos poderia ser reduzido dada a queda nas tarifas, os produtos dos países do Mercosul – Brasil, inclusive – se tornaram mais baratos.

Nem todos os setores locais, porém, concordam com essa avaliação. Exemplo disso é a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que, em parceria com outras centrais sindicais sul-americanas, já criticou o acordo, afirmando que ele poderia colocar em risco os empregos nos setores industriais sul-americanos. A agremiação argumenta que, na prática, as empresas brasileiras não têm o mesmo patamar de competitividade daquelas localizadas na Europa. Além disso, ao reduzir impostos de importação de produtos vindos da Europa, o acordo poderia ameaçar a atividade industrial brasileira. 

Cada setor possui interesses específicos no acordo. Um deles é o setor automotivo, especialmente importante na Alemanha, que acredita que as vendas de carros para países como o Brasil podem ser ampliadas. Outro é o setor agrícola brasileiro, que pretende aumentar as exportações dos seus produtos para a Europa.

O problema, neste último caso, é a resistência europeia. A França, por exemplo, vem sendo abertamente contra o acordo entre os blocos, por força, justamente, do setor produtivo local. Agricultores franceses já fecharam estradas do país e fizeram paralisações como forma de protestar contra o acordo. Eles argumentam que podem ser vítimas de uma concorrência desleal, já que, no entendimento europeu, precisam cumprir regras ambientais muito mais rígidas do que as praticadas pelos países do Mercosul. 

O que ainda precisa acontecer para que o acordo saia do papel?

O acordo entre o Mercosul e a União Europeia não é, exatamente, uma novidade. Em 2019, nos tempos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os dois blocos também chegaram a anunciar que tinham finalizado as negociações. 

Foi ali, porém, que as condições ambientais começaram a pesar. Alarmados com a postura pró-desmatamento do ex-capitão, os europeus se recusaram a tirar o acordo do papel, alegando que, como o Brasil se recusava a cumprir metas ambientais, o acordo seria inviável.

Agora, o cenário é diferente. O próprio governo brasileiro reconhece que os padrões ambientais do acordo podem ser flexibilizados para a sua concretização, mas os próximos passos têm um caráter mais político do que técnico. 

O primeiro passo é puramente burocrático. O corpo técnico envolvido no acordo deverá fazer uma averiguação legal sobre os termos, traduzindo o acordado para as línguas de todos os países membros. Em seguida, caberá a cada país do Mercosul aprovar o acordo. Isso deve ser feito pelos Poderes Legislativos de cada país.

Depois, caberá à UE aprovar o acordo. A primeira instância de aprovação é o Conselho de Ministros, e a segunda é o Parlamento Europeu. 

Já na primeira fase, a França pretende atuar para barrar o acordo. O país conta com o apoio explícito da Polônia, mas precisa juntar aliados contrários à negociação. Se não houver uma maioria de 55% dos países que compõem o bloco europeu, o acordo será negado. 

Mas, se houver aprovação, o acordo passará, assim como no Mercosul, pelo crivo dos legislativos da UE. E eles são muitos, já que são 27 membros do bloco. Isso deverá levar tempo e longas negociações entre os representantes europeus. 

A expectativa, porém, é que, para facilitar a concretização do acordo, se faça uma separação do conteúdo comercial e político. Isso poderia fazer com que os termos comerciais entrassem em vigor mais rapidamente, o que poderia ser feito sem a aprovação de todos os parlamentos nacionais.

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Last Update: 06/12/2024