No presente texto procuramos analisar e explicar o processo de financeirização no Brasil, principalmente a partir da década de 1990, logo após os acordos firmados no “Consenso de Washington” na esteira da expansão das fronteiras da globalização econômica e financeira para a América Latina. A década de destruição neoliberal da denominada “Era dos Fernandos” desde Fernando Collor passando por Fernando Henrique Cardoso (FHC) impulsionou a destruição nacional e abriu espaços para a social democracia nos governos do PT que, por sua vez, não conseguiram estancar a sangria dos cofres públicos que alimentava e alimenta continuamente o sistema financeiro nacional e internacional além dos rentistas habituais de amplo espectro.

A continuidade da política econômica lastreada pelo Banco Central do Brasil nos governos Lula e Dilma nos seus mandatos consecutivos prosseguiu os cortes orçamentários, apesar do aumento de investimentos em algumas áreas. A política econômica perpetuou a absurda remuneração do sistema financeiro em um nível muito superior se comparado aos investimentos nas políticas públicas, mesmo que os denominados gastos orçamentários fossem bastante superiores aos de FHC na sua gestão. 

Essa análise não se resume simplesmente a uma abordagem teórica e conceitual dos processos sócio-históricos e seus desdobramentos na concretude da economia política em termos de “narrativa”, mas sim, conjuntamente com a contribuição dos dados orçamentários na relação existente entre Tesouro Nacional e Banco Central; numa espécie de “esquema” que transfere renda e riqueza para os banqueiros e rentistas nacionais e internacionais em detrimento dos investimentos das políticas públicas em saúde, educação e geração de emprego e renda, em consonância com a ordem capitalista internacional. 

Com o golpe de Estado no Brasil a partir de 2016 a transferência de bilhões de reais ao setor financeiro, as reformas trabalhista e previdenciária conjuntamente com a independência do Banco Central aceleraram de forma avassaladora o modelo que passou de neoliberal para ultraliberal diante dos ditames do imperialismo capitaneado pelos EUA, atravessando a crise estrutural do processo de acumulação e reprodução do capital em plena ascensão das disputas geopolíticas estratégicas. 

A ordem ultraliberal na fase aguda da crise do imperialismo impõe ao Brasil uma agenda ainda maior de subserviência, corrompe instituições e corrói as políticas públicas através do corte de gastos públicos, aumento das privatizações e terceirizações dos serviços essenciais e das empresas estratégicas para o desenvolvimento nacional soberano. A educação como um dos principais eixos norteadores da construção da cidadania e do próprio desenvolvimento científico e tecnológico se encontra num estágio de degradação profunda e cabe a esse artigo explicar as razões pelas quais esse modelo econômico subserviente a engenharia econômica e financeira do capital conduz o país a um retrocesso histórico e que insere pejorativamente a esmagadora maioria do povo brasileiro que sofre as consequências desses processos decisórios e de gestão dessas instituições, além dos mecanismos que garantem a riqueza dos ricos em detrimento do aumento da pobreza e da miséria dos já muito vilipendiados cidadãos brasileiros. 

O aprofundamento da crise do imperialismo: do neoliberalismo ao ultraliberalismo com maior força a partir da pandemia

Diante desse contexto de pós golpe de Estado e da pandemia da Covid-19 vale destacar que a crise estrutural do capitalismo se encontra ainda mais aguda em um país dependente que age em consonância com os interesses do imperialismo utilizando-se das estratégias impostas pelo neoliberalismo da globalização econômica e financeira, onde a pandemia expõe o contexto da crise econômica somada a política em tempos de golpe de Estado no Brasil. 

Ao mesmo tempo esse processo acelerou as políticas de financeirização do capital que drenam os recursos orçamentários em favor do capital financeiro nacional e das corporações transnacionais. O Banco Central do Brasil há muito transformou-se na mais importante instituição econômica e financeira brasileira e na atual crise seu papel continua sendo primordial para impulsionar a política econômica em favor dos rentistas e demais capitalistas da classe dominante nacional e estrangeira abrindo um fosso de desigualdade econômica e social ainda mais profundo com os desvios do orçamento das políticas públicas para o grande capital. Cabe, portanto, examinarmos mais de perto no âmbito mais geral o teor dessa crise e seus desdobramentos. 

A década de 1970 marcou a fase de transição da Era Keynesiana da acumulação capitalista na base de produção fordista para o neoliberalismo como uma forma de escapar dos constrangimentos políticos-institucionais do Estado capitalista do modelo pós guerra e também no que tange a sua engenharia social e econômica complexa na esfera da acumulação mais “distributiva “e da lógica da continuidade da expropriação. Com o avanço da crise de esgotamento fordista de produção da década de 1970 a reconfiguração tecnológica dos países centrais no primeiro momento não atingiu diretamente os países periféricos dependentes a não ser pela transferência de grande parte da crise na forma de enormes déficits nas balanças comerciais. Entretanto; a partir da década de 1980 a crise intensificou-se em vários aspectos.

A degradação social foi acompanhada também pela queda nos investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento, principalmente em setores onde o capitalismo não detinha tanto interesse, mesmo na indústria farmacêutica e de biotecnologia reconhecidamente um dos principais setores do capitalismo estadunidense. Ao mesmo tempo que diversos setores do capitalismo envolvidos nas áreas da medicina como essas industrias cresceram e se desenvolveram nas últimas décadas, isso não ocorreu da mesma forma para algumas áreas desse mesmo setor, já que muitas das pesquisas em algumas áreas não foi acompanhada pelo mesmo interesse como pilar estratégico da acumulação em tempos de neoliberalismo. 

O interesse do capitalismo por diversas áreas de investimento em pesquisa sempre esteve presente nas escolhas da lógica da acumulação, mas com o agravamento da crise estrutural do capitalismo e a voracidade do sistema pela aceleração do processo de acumulação esses investimentos passaram a obedecer a critérios de escolha ainda mais seletivos. No imperialismo na fase da globalização econômica e financeira a imbricação entre o Estado e o setor privado convergiu em interesses ainda mais amplos com estratégias de coesão ainda mais rígidos, diminuindo muito o poder do Estado em termos de concretização de políticas públicas para a sociedade, ao mesmo tempo aumentos orçamentários vultuosos para o grande capital combinando formas de salvaguardas institucionais como alicerce do sistema capitalista. Essa é a principal característica do capitalismo monopolista de Estado na fase do imperialismo e que poderá conduzir a humanidade a catástrofes humanitárias como fome, doenças graves e guerras múltiplas como estamos observando no atual estágio nas sociedades capitalistas centrais e dependentes com a eclosão da pandemia da Covid-19. 

As disputas geopolíticas estratégicas entre o imperialismo capitaneado pelos EUA e o consórcio sino-russo (parceria China e Rússia) estão conduzindo, nos últimos anos, a uma série de conflitos e de golpes de Estado na América Latina, no Oriente Médio e na Ásia com maior frequência e truculência. Associado a esse fenômeno um brutal aumento das mortes decorrentes da pandemia durante 2020-21 e o crescimento elevado do índice de pobreza nos EUA (país mais rico do mundo) refletindo sobremaneira na atual situação da crise estrutural do capitalismo.

Apesar do sociólogo estadunidense Mike Davis ter demonstrado com excepcional clareza a gravidade da inépcia sanitária há cerca de duas décadas atrás ela vale para o presente na entrada de 2022, isto é, depois de 2008 a crise estrutural do capitalismo transformou a sociedade nos países desenvolvidos e dependentes num enorme contingente de bilhões de pessoas excluídas de cidadania ao mesmo tempo que incluídas na maneira mais perversa na lógica da superexploração do trabalho em tempos de miséria social.

Vale destacar que as grandes corporações transnacionais da indústria farmacêutica não se interessam em seguir seus investimentos na pesquisa e no desenvolvimento das vacinas da gripe por compreenderem que os custos dessa escolha não eram viáveis para a lógica da acumulação do capital. O que chama atenção nesse aspecto residem duas questões de escolhas de Estado como a redução de apoio a empresas menores na pesquisa e no desenvolvimento de vacinas e também no que tange a fiscalização e o armazenamento das próprias vacinas produzidas pelo setor dessa indústria. As agências reguladoras institucionalizadas atuam também seguindo um modelo neoliberal de conluio com os interesses do imperialismo e que se observarmos a realidade da pandemia nos EUA e no mundo de maneira geral a calamidade pública instalada em 2020 demonstra o naufrágio do modelo neoliberal do imperialismo. 

Por outro lado, o naufrágio do modelo neoliberal e a própria crise estrutural do capitalismo não significam que os EUA e a classe dominante nacional e transnacional estão à beira do colapso, mesmo porque as formas mais reacionárias de ultraliberalismo investem no acirramento da luta de classes através dos próprios instrumentos político-institucionais em favor da concentração de mercados e capitais do imperialismo.

O avanço das formas neoliberais na globalização econômica e financeira expressam o capitalismo na fase do imperialismo e pela complexidade da correlação de forças no bojo das suas próprias contradições o sistema tende a gerar frequentes crises com acentuada concentração de riquezas e excesso de desigualdades sociais exacerbada pela pandemia da Covid-19. O mercado financeiro internacional exasperou as formas rentísticas de acumulação por intermédio do que Marx denominava de “capital fictício” e capital portador de juros” e criou a ausência quase completa de escrúpulos por parte das elites financeiras e da própria classe dominante, onde a “plutonomia” mencionada por Chomsky tornou-se lugar comum no “habitus” dessa classe social emergente.

Além de padrões de desvalorização do trabalho em termos de salários e condições contratuais nos países dependentes as políticas públicas são incipientes e de curto alcance, e ainda, deprimidas pelos baixos orçamentos destinados e também desviados seus recursos para a remuneração do capitalismo financeiro nacional e internacional como forma estratégica intensa de acumulação e reprodução do capital em escala global.

O Brasil na atualidade do governo Lula é mais que um prisioneiro do imperialismo pela via do mercado financeiro principalmente. A tal soberania nacional é praticamente inexistente e a tal governabilidade não passa de um verniz ou um véu que encobre a realidade de que são os bancos que mandam no país. São os especuladores que definem as políticas públicas ou as ausências dessas. A opção da esquerda governista e de outros que comungam com o reformismo é aceitar a subserviência imposta pela burguesia nacional em conluio com o imperialismo. Um país asfixiado, estrangulado e imóvel já atravessa gerações de brasileiros pobres e esmagados pelo sistema opressor do tacão de ferro do capital. Em tempos de ultraliberalismo o modelo da doutrina do choque de Pinochet será repaginado; só que agora na versão atual 4.0 tendo Milei como o mais sórdido dos exemplos práticos do desmanche social e do Estado na atualidade.

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Last Update: 26/05/2025