
Na tenebrosa primavera de 1975, pouco depois do assassinato de Vladimir Herzog no DOI-Codi em São Paulo, professores e estudantes da Faculdade de Comunicação da UFRGS, a Fabico, colocaram na parede do diretório de estudantes uma placa com homenagem ao jornalista.
Herzog seria o patrono do centro. No dia seguinte, a homenagem sumiu. Todos os que viveram aquele período em Porto Alegre sabem quem foi o ladrão da placa.
Muitos dos que estavam lá e nada puderam fazer, além de identificar o serviçal da ditadura, vão colocar outra placa no mesmo lugar, agora ao lado de jovens que têm idades com menos da metade do tempo percorrido até aqui. Será no dia 8 de abril.
A placa diz o seguinte: “Em 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado sob tortura nas dependências do Exército. Vlado defendia a democracia e combatia a ditadura. Em sua honra, as e os estudantes da Fabico deram seu nome à sala do diretório acadêmico. Na manhã seguinte, a placa foi arrancada pela direção da Faculdade, a mando da ditadura. 50 anos depois, estamos aqui novamente. Para que não se esqueça, para que nunca mais se repita. Ditadura nunca mais!”.
O resgate da homenagem a Herzog está no contexto da decisão da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) de instituir 2025 como o Ano Vladimir Herzog. Completa-se meio século do assassinato do jornalista.
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Recuperar placas é parte de um esforço pela retomada de gestos concretos de marcação de memória e de resistência ao que eles tentam repetir. Assim como foi recuperada e recolocada na calçada da Rua Santo Antônio, diante de antigo prédio do Dops, também em Porto Alegre, a placa que informa: aqui, no primeiro centro clandestino de detenção do Cone Sul, torturavam e matavam inimigos da ditadura.
E o Brasil vai lidando com a preservação de memórias, mas com ações intermitentes, casuais, pontuais. Está dito por muita gente que não pode mais ser assim. Que precisamos ser mais intensos, constantes e efetivos, como são, na eterna comparação que nos desfavorece, uruguaios, argentinos, chilenos.
A conquista do Oscar por ‘Ainda estou aqui’, a consagração de Fernanda Torres como representação da mulher que resiste e tudo mais que o filme e o prêmio passam a inspirar nos empurram para a repetição da palavra síntese da luta de Eunice Paiva depois do assassinato do marido: memória, memória, memória.
Tanto que o apelo por verdade, memória e justiça, consagrado em todos os países que enfrentaram ditaduras, tem no Brasil muitas vezes a versão em que a primeira palavra é memória.
Memória como respeito, afeto, reconhecimento. Para que a memória acione verdades e as verdades e as memórias conduzam às mobilizações por justiça.
Esse deve ser o ano da memória por Herzog, por todos os assassinados, pelos que nunca mais foram vistos e que, se sabe hoje, são bem mais do que os 232 considerados ainda desaparecidos durante a ditadura.
Que em nome da memória, como já disse Marcelo Rubens Paiva ao ser cobrado por ter escrito sobre sua família branca e rica, outros escrevam mais e façam filmes sobre pretas e pretos, pobres, colonos e indígenas que a ditadura matou e que, pelas omissões da própria democracia restaurada, foram invisibilizados.
Que o Brasil se dedique à memória desses invisíveis que também desapareceram sem que documentos, cadastros e anotações tenham registrado seus nomes e suas histórias como vítimas de ditadores e torturadores.
(Octávio Costa, Regina Pimenta e colegas da ABI, estamos juntos nessa empreitada permanente. Memória, memória, memória.)
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