Os cem primeiros dias do segundo mandato de Donald Trump vêm sendo marcados por crises e uma grande pressão do imperialismo mundial contra suas ações. Não é à toa: sua política de se opor, por interesses próprios, às guerras e ao intervencionismo econômico e militar em outros países vai na contramão da política atual do imperialismo, que se prepara para um conflito em escala mundial. A esquerda, seja ela revolucionária ou não, deveria celebrar a desestabilização da ordem imperialista, o regime econômico mais podre que o mundo já viu. No entanto, certos elementos pequeno-burgueses da “esquerda” – como o articulista Luis Mauro Filho, do Brasil 247 – estão tão acostumados a defender a política do imperialismo a todo momento que eles não conseguem enxergar como positiva a sua acentuada decadência.

No artigo “Cem dias de Trump 2.0: EUA mais isolados, conflagrados e sem rumo global”, o autor se mostra desconsolado diante da grande preocupação mostrada pela burguesia imperialista com relação à política de Trump. Em vez de celebrar o desmoronamento da “ordem internacional” imperialista, que massacra povos, comete genocídios, invade e destrói países e sustenta ditaduras, o articulista chora a “perda de protagonismo global” dos norte-americanos. Ele afirma, melancólico:

“Em apenas três meses, o presidente republicano reacendeu conflitos internos, desmontou alianças internacionais e abalou a credibilidade econômica do país. O saldo dos 100 primeiros dias é de polarização, autoritarismo e crescente perda de protagonismo global.”

Primeiramente, é preciso deixar claro que o principal conflito interno acendido por ele é o da burguesia imperialista contra outro setor secundário da burguesia norte-americana (representado pelo próprio Trump). Enquanto o imperialismo tem a intenção de destruir a economia do país, há toda uma ala que viu em Trump a oportunidade de uma retomada da economia interna norte-americana.

Esse conflito atrapalha e torna mais instável ainda a política do imperialismo, que já se encontra em uma crise total – haja visto o crescimento da esquerda e da extrema-direita nos principais países imperialista: França, Inglaterra, Alemanha, os próprios EUA e todos os outros.

Impressiona que o articulista esteja tão preocupado com a “credibilidade econômica” dos Estados Unidos, que mantém sua economia sobre a base da exploração dos trabalhadores de todos os países atrasados do planeta. Num certo sentido, essa desestabilização é muitíssimo bem-vinda para os operários do Brasil e do mundo.

Trump é autoritário, mas Joe Biden era um anjo?

Luis Mauro Filho acusa Donald Trump de ser “autoritário”. Segundo ele, “o presidente aprofundou sua cruzada contra imigrantes e minorias. Reforçou a repressão na fronteira com o México, acelerou deportações (…)”. A política das deportações, uma importante bandeira da extrema-direita, seria o grande crime de Trump em sua presidência.

No entanto, a política de Trump com relação às deportações é a mesma de todo o imperialismo. No primeiro mês de governo, Trump teria deportado 37 mil pessoas, enquanto o ex-presidente Joe Biden, no mesmo período, deportou mais de 57 mil pessoas, ou seja, cerca de 54% a mais. Mas não é apenas Biden – não houve nenhum presidente dos EUA que tivesse aplicado uma política diferente com relação aos imigrantes. O ex-presidente Obama, queridinho de uma parte dos esquerdistas do Brasil, tinha o apelido de “Deporter-in-Chief” durante seu governo. Sob Biden, todos se lembram das crianças engaioladas, aviões lotados de pessoas deportadas pousando no Brasil e em outros países latino-americanos e diversas outras medidas semelhantes. Não é que a política de Trump não seja repressiva, mas é absurdo colocar como se ele fosse o inventor de tudo isso.

Sobre as Universidades, o articulista afirma que “Trump cortou recursos de universidades, suspendeu contratos federais e pressionou por demissões de cientistas — sobretudo estrangeiros. Harvard, Yale e Columbia enfrentaram ameaças de perda de isenção fiscal e congelamento de verbas”. No entanto, é preciso dizer que essas instituições são todas privadas, não públicas. Nesse sentido, não há nenhuma obrigação do governo em financiá-las. Ainda que os motivos de Trump não sejam os mais nobres e corretos, não há coerência nenhuma em criticá-lo por isso.

O articulista, mais a frente, reconhece que as ações de Trump estão gerando pânico em Wall Street, fuga de bilionários e quebra de alianças com Canadá, Alemanha e União Europeia. Mas, em vez de entender isso como sintoma de uma crise terminal do imperialismo ou considerar que isso possa vir a ser algo positivo (ainda que seja um cenário exagerado montado pela imprensa imperialista). Mauro Filho vê tudo isso com preocupação, dizendo que os EUA estão “sem rumo”. O que significa essa preocupação, senão uma defesa, ainda que disfarçada, do domínio do imperialismo sobre os EUA e o mundo?

A crise do imperialismo é uma oportunidade para os povos oprimidos

Diante da guerra na Ucrânia, o autor se indigna com o fato de Trump “exigir concessões à Rússia” e “cortar ajuda militar” a Kiev. Que tipo de esquerda é essa, que defende a continuidade do massacre militar imperialista da OTAN, como se isso fosse algo positivo? Celebrar e, ainda mais, lutar e pressionar pelo colapso da política belicista dos EUA deveria ser o papel de qualquer setor anti-imperialista. Se a política de Trump impõe obstáculos à escalada bélica contra a Rússia e o Irã, isso é extremamente positivo para a luta dos povos oprimidos do mundo.

É evidente que Trump não é aliado da classe operária mundial e age no sentido apenas de defender seus interesses materiais. No entanto, o inimigo principal da classe operária internacional é a burguesia imperialista, que hoje se une contra Trump, com sua política “democrática”, sua OTAN e o restante do aparato de esmagamento da população mundial que os sustenta.

Lênin defendia que a política revolucionária consiste em saber aproveitar as contradições entre os inimigos, então ter um governante norte-americano que gere uma crise entre essas diferentes classes sociais é negativo para o imperialismo e positivo para a classe operária.

A verdadeira posição revolucionária é clara: quanto maior for a crise do imperialismo, melhor para a luta dos trabalhadores. Só uma esquerda pequeno-burguesa, reformista defensora do imperialismo mundial poderia se mostrar tão preocupada com o fato de que os EUA estão “isolados” e “sem rumo”.

O que o articulista quer? Um golpe que derrube Trump e leve à estabilidade da dominação imperialista sob alguém do Partido Democrata? Ele quer as guerras bem-educadas, o gentil genocídio na Faixa de Gaza e os bombardeios humanitários? Um esmagamento dos povos do mundo comandado pelo imperialismo sob fachada progressista?

A crise do regime imperialista dos EUA, seja quem for o governante que a encare, não é algo a se temer – é algo a se explorar. Somente assim a classe operária poderá construir sua própria alternativa, independente e revolucionária. Até lá, cabe questionar se quem chora o declínio dos EUA pode ainda ser considerado de esquerda.

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Last Update: 04/05/2025