Em um dos momentos mais reveladores do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe de Estado, o tenente-coronel Mauro Cid afirmou nesta segunda-feira (9) que o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu, leu e sugeriu mudanças no documento conhecido como “minuta do golpe”.

A minuta previa medidas autoritárias para anular as eleições de 2022 e manter Bolsonaro no poder. Cid declarou que Bolsonaro retirou trechos que ordenavam a prisão de diversas autoridades, mas manteve Alexandre de Moraes como único alvo da medida.

“O presidente recebeu e leu. Ele, de certa forma, enxugou o documento, basicamente retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor [Moraes] ficaria como preso. O resto, não”, declarou Cid diretamente ao ministro.

Golpe dividido em duas partes: acusações e medidas de exceção

Segundo Cid, a minuta estava dividida em duas seções. A primeira listava interferências do STF e TSE como justificativa para medidas de força; a segunda propunha estado de defesa, estado de sítio, prisão de ministros e parlamentares e a criação de um conselho para organizar novas eleições.

As alterações teriam sido feitas com auxílio de Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro para Assuntos Internacionais, que digitava as mudanças diretamente de um computador no gabinete presidencial.

Tentativa de golpe com participação ativa de militares e ex-ministros

Durante o depoimento, Mauro Cid foi questionado sobre a classificação dos envolvidos no plano. Ele afirmou que o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, era “radical”, enquanto os ex-ministros Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira seriam “moderados”.

Cid também relatou pressão para que o comandante do Exército, general Freire Gomes, fosse substituído por um militar disposto a aderir ao plano golpista. Essa articulação seria liderada por Braga Netto e o general Mário Fernandes, identificado como defensor de medidas radicais.

Braga Netto repassou dinheiro em espécie para operação sigilosa

O tenente-coronel afirmou ainda que recebeu dinheiro vivo de Braga Netto no Palácio da Alvorada, repassando a quantia ao major Rafael Martins de Oliveira, ligado ao plano chamado “Punhal Verde e Amarelo”, que previa até a execução de autoridades.

“O general Braga Netto trouxe uma quantia em dinheiro… com certeza não foi os R$ 100 mil. Eu recebi no Palácio da Alvorada e repassei ao major De Oliveira”, declarou Cid.

Ele também alegou que os recursos “provavelmente” vinham de empresários do agronegócio que financiavam acampamentos golpistas nas portas de quartéis.

Bolsonaro sabia da carta de oficiais da ativa e manteve silêncio

Cid confirmou que Bolsonaro foi informado sobre a “Carta ao Comandante do Exército”, escrita por oficiais da ativa, pedindo às Forças Armadas que interviessem em defesa do ex-presidente. Apesar da gravidade do conteúdo, Bolsonaro não teria feito nenhum comentário, apenas ouvido o relato.

A relação com os acampamentos também foi detalhada. Braga Netto teria atuado como elo entre o Planalto e os manifestantes e incentivado a narrativa de ruptura.

Delação reafirmada: “não houve coação”, diz Cid a Moraes

O depoimento também foi marcado pela tentativa de Bolsonaro e aliados de deslegitimar a delação premiada de Cid, após o vazamento de áudios em que o militar criticava a condução da investigação. Questionado por Moraes, o ex-ajudante de ordens reafirmou que não sofreu coação.

“Foi um desabafo em um momento de crise pessoal, com minha carreira destruída, minha família exposta. Em nenhum momento houve pressão da Polícia Federal.”

Com isso, Cid desmonta a principal linha de defesa bolsonarista, que buscava anular seu acordo de colaboração com base em suposta coação.

Um depoimento-chave no julgamento do golpe

A fala de Mauro Cid é a primeira entre os réus ouvidos no julgamento conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito sobre a tentativa de golpe. O ex-ajudante de ordens foi peça central na engrenagem militar e política do entorno de Bolsonaro e seu testemunho adiciona provas diretas da participação do ex-presidente no plano para subverter a democracia.

A delação, agora reafirmada, reforça a tese da Procuradoria-Geral da República de que houve articulação organizada e consciente para instaurar um regime de exceção, com apoio de civis, militares e setores do empresariado. O julgamento prossegue com expectativa de novas revelações nos próximos dias.

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Last Update: 09/06/2025