A situação fiscal do governo brasileiro é grave. O Estado gasta mais do que arrecada e essa conta só vai aumentando. O governo apresenta algumas alternativas, mas o Congresso não aceita e nesse embate político, as dificuldades para dialogar por uma solução também só aumentam. O ex-deputado e economista Marcus Pestana (foto/reprodução internet), que atua na Instituição Fiscal independente, disse que vem alertando para a gravidade da situação desde 2023. Mas para ele, a situação deveria ser resolvida entre Legislativo e Executivo. Envolver o Judiciário, como o presidente Lula determinou, após a derrota sofrida com a derrubada do aumento do IOF no Congresso Nacional, não lhe parece a melhor saída.
O presidente Lula decidiu tentar reverter a situação no Supremo Tribunal Federal. Essa via judicial não é o melhor caminho?
Dentro de um processo democrático, houve um pronunciamento do Congresso Nacional, que representa de forma plural, a sociedade e houve uma manifestação inequívoca, que é proporcional ao placar. Mas o que importa é que se produza o diálogo para alternativas, porque a caminhada é para um estrangulamento orçamentário grave em 2026 e absoluto em 2027. A Instituição Fiscal Independente tem alertado para essa situação desde final de 2023, avisando que a rota era insustentável. As receitas estão crescendo abaixo do crescimento das despesas. E como você parte de uma posição onde você já está no vermelho? Você já está em déficit, que é uma situação que tem que ser corrigida e como as receitas crescem em ritmo menor que as despesas, você vai agravando o desajuste. Os problemas são econômicos, mas as saídas são políticas. E envolver o Supremo não me parece o melhor caminho. Há uma Medida Provisória, com uma série de propostas de aumento de tributação para além do decreto IOF. O IOF foi uma surpresa geral, porque não estava na pauta de discussão. Ninguém falava nisso. Depois que o governo apresentou o relatório de análise de receitas e despesas do primeiro quadrimestre, em maio, em uma entrevista coletiva, os ministros Fernando Haddad e a Simone Tebet participaram, se anunciou um contingenciamento e um bloqueio, no total da R$ 31 bilhões. Mas se você for olhar os jornais, na mídia 15 dias antes, a discussão era se ia ser R$ 10 bilhões ou R$ 15 bilhões de contingenciamento. E até o governo foi além do que o mercado estimava em termos de corte de despesas. Mas, surpreendentemente, além do corte de despesas na casa de R$ 31 bilhões, entre contingenciamento e bloqueio, anunciou-se o aumento do IOF para uma série de operações e transações no mercado financeiro e ninguém estava discutindo isso. Houve esse susto e os setores econômicos reagiram. O IOF não uma boa ferramenta. Ele é um imposto regulatório. Muitos tributaristas acham que já devia ter sido extinto. E aí o governo surpreendeu, com reação dos agentes econômicos e do Congresso. E o Congresso já havia sinalizado, desde a reforma tributária, uma posição que reflete uma cultura presente na sociedade, que é a de não admitir mais o aumento da carga tributária. A sociedade não quer pagar mais impostos. O Brasil já tem uma carga tributária de 34,2% do PIB, que é disparada entre os países emergentes e na média dos países desenvolvidos e na média dos países da OCDE. Então nós estamos na média. Só que quem está para cima é só país desenvolvido, que tem um outro histórico. O México, a Argentina, a África do Sul, Coreia do Sul, China, Índia, todos têm carga tributária muito abaixo da nossa.
Nós temos um governo gastador e um Congresso igualmente gastador. Como fazer esse ajuste com essa situação?
Não tem fórmula mágica. Não tem que reinventar a roda. Ou aumenta a receita ou corta a despesa. O déficit é insustentável.
Qual a dificuldade de se fazer esse corte no custeio da máquina administrativa?
Porque não há ajuste fiscal indolor. Não há ajuste fiscal neutro. Você fere interesses, reduz benefícios. É muito mais fácil você expandir gastos. Aumentar imposto e cortar despesa é sempre complicado. Alguém vai ser afetado e vai reagir. Então é preciso convergência política para se chegar a construir um consenso sobre o caminho.
Muitos reclamam que o presidente Lula está muito distante dessa discussão política. Seria o momento de o presidente entrar para poder abrir um canal de negociação?
Ele tem muita experiência e habilidade, mas ele não tem maioria no Congresso. E o Congresso já na reforma tributária manifestou claramente essa questão da carga tributária ao introduzir uma trava na emenda constitucional da reforma tributária que foi aprovada. Se o IVA, o futuro imposto no valor agregado resultante da reforma, arrecadar mais do que hoje é a arrecadação dos impostos sobre consumo, você tem uma trava imediata e uma compensação imediata. O Congresso tem dado mostras que não é pelo lado da receita. O que não quer dizer que não possa ser redistribuída a carga, corrigido como está se propondo no Imposto de Renda, aliviar quem ganha até R$ 5 mil e os mais ricos pagarem a conta, mas com efeito neutro no orçamento. Isso é uma readequação, uma redistribuição da carga tributária. Outra coisa é aumento de carga, que é o setor público engolir mais uma fatia da renda produzida pela sociedade. Se o Congresso não aprova e ele tem que aprovar impostos, tem que ser pelo lado da despesa. E aí também não é fácil. Nós estávamos caminhando em uma direção de recuperação do equilíbrio. O país tem déficit desde o governo Dilma, em 2014. Déficit primário. Mas com o teto de gastos do Michel Temer depois, claro que teve a pandemia, que é o momento extra, mas aí depois foi convergindo, só que aí na transição teve a PEC da transição e a retomada da vinculação de 4 despesas fundamentais do orçamento com o salário-mínimo. Teve a volta da vinculação à receita dos gastos com educação e saúde e a expansão de despesas autorizadas pela transição, repôs uma situação onde a correção é automática das despesas, então tem que desarmar esse gatilho. E tem um ajuste a ser feito para salvar 2025 e 2026, mas isso é insuficiente. Para o médio e longo prazo para o futuro do país o buraco é muito mais embaixo. Nesse caso, está perseguindo de R$ 30 a R$ 40 bilhões para fechar as contas em 2026. Está faltando uns R$ 15 bilhões mais ou menos em 2025 e uns R$ 40 bilhões em 2026. Mas o ajuste que tem que ser feito para recuperar a capacidade de investimento e estancar o crescimento da dívida, é coisa de R$ 500 bilhões. Mas isso está endereçado para 2027 para o futuro presidente, seja ele o Lula, ou outro. Fatalmente o futuro presidente vai ter que entrar fazendo uma profunda reforma fiscal, senão não governa. O que está se tratando agora é de é criar uma ponte para resolver o problema de um ano e meio. Só tem um caminho para resolver o estrangulamento económico. A saída é política.