O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para segunda-feira (5) o início dos trabalhos da comissão de conciliação a fim de solucionar o impasse político-jurídico em torno do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Contudo, esse espaço de mediação pode não ter a participação do movimento indígena. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) divulgou nota dizendo que não aceita negociar direitos.
“O STF já se posicionou pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal e esta nova possibilidade aberta para a conciliação enfraquece a segurança jurídica, tornando o Supremo uma Corte imprevisível não apenas quanto o conteúdo, mas também quanto à forma”, diz a nota assinada por seis advogados da entidade.
A tese do marco temporal diz que os povos indígenas só possuem direito aos seus territórios caso estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
O STF julgou inconstitucional essa tese e considerou que os indígenas possuem o direito originário constitucional sobre suas terras ancestrais.
Meses depois o Congresso aprovou projeto que resultou na Lei 14.701/2023, resgatando o dispositivo da tese do marco temporal.
Os assistentes e consultores jurídicos da entidade questionam dois pontos considerados cruciais para analisar o problema.
No primeiro, indaga-se se cabe a edição de lei cujo conteúdo já tenha sido julgado inconstitucional pelo STF? A resposta é sim. Mas a nova lei precisa estar embasada em argumentos não enfrentados pelo STF quando da declaração da inconstitucionalidade.
Também é necessário, segundo a assessoria jurídica, que “haja circunstância fática diversa daquela que ensejou a declaração de inconstitucionalidade pela Corte”.
“A Lei 14.701/2023 não se adequa a nenhum desses dois critérios e, por isso, estamos diante da mesma causa e mesma questão constitucional contida e superada”, justifica.
Sendo assim, a lei “nasce com presunção de inconstitucionalidade e as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) sequer deveriam ter sido conhecidas pelo Supremo”.
O segundo questionamento é se cabe conciliação a respeito da constitucionalidade em matéria de direitos indígenas? A resposta dos assessores é que as partes formais não podem transacionar a respeito de inconstitucionalidade.
“Aliás, não há que se falar em partes no controle abstrato nem na contraposição de interesses entre os direitos pleiteados. O interesse é o de verificação de compatibilidade da norma com a Constituição. Designar audiência de conciliação da ADI parece encontrar vedações constitucionais, óbices processuais e, mais ainda, impedimentos democráticos”, dizem os advogados.
Também destacam que a comissão especial não supre a consulta livre, prévia e informada que deve ser feita aos indígenas por meio de suas instituições e protocolos próprios.
“A conciliação proposta viola a Convenção 169 da OIT, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Isso porque o espaço da comissão especial e das audiências de conciliação que ali tomarão forma não são equiparáveis à consulta livre, prévia e informada”, considera a assessoria.