No mês de celebração do Dia Internacional da Mulher, ressaltamos a trajetória das mulheres brasileiras na luta contra as estruturas sociais e morais que palpitam sobre os Direitos da Mulher. No Brasil, a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos é frequentemente atravessada por discursos midiáticos e religiosos que moldam a opinião pública e influenciam políticas públicas. A cobertura da mídia tradicional e religiosa sobre esses direitos reflete não apenas a complexidade do debate, mas também os desafios enfrentados por mulheres que buscam autonomia sobre seus corpos em um contexto marcado por moralismos e conservadorismo.

A mídia tradicional, em muitos casos, perpetua uma narrativa sensacionalista e reducionista quando aborda temas como aborto, contracepção e educação sexual. A ênfase recai frequentemente sobre aspectos polêmicos e polarizados, sem aprofundar os impactos sociais e individuais da falta de acesso a esses direitos. Estudos como: O corpo é nosso: a cobertura da mídia tradicional e da religiosa sobre os direitos sexuais e direitos reprodutivos – pesquisa da série Vozes Silenciadas, realizada pelo Intervozes e lançada em 2023 – demonstram como os principais veículos de comunicação brasileiros negligenciam abordagens baseadas em direitos humanos, priorizando discursos que reforçam estigmas e criminalizam as mulheres que recorrem a serviços de saúde reprodutiva. O jornalismo, ao invés de informar de maneira crítica e plural, muitas vezes se limita a reproduzir posicionamentos políticos e religiosos que ignoram a diversidade de realidades vividas pelas mulheres.

A mídia religiosa, por sua vez, tem um papel ainda mais determinante na consolidação de um discurso conservador. Igrejas evangélicas e católicas utilizam seus espaços midiáticos para propagar uma visão que associa a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos a uma suposta “cultura da morte”. A criminalização do aborto, por exemplo, é defendida sob uma perspectiva moral e religiosa, sem levar em conta os impactos da clandestinidade do procedimento na saúde pública. Dados da pesquisa Vozes Silenciadas apontam que 87,5% das matérias pesquisadas em mídias religiosas são contrárias ao aborto e que a maioria das fontes ouvidas são homens. Esse tipo de narrativa reforça o controle sobre o corpo feminino, negando o direito fundamental da mulher de decidir sobre sua própria vida reprodutiva.

Além da influência midiática e religiosa, as mulheres que buscam exercer seus direitos sexuais e reprodutivos frequentemente enfrentam violência institucional na rede de atendimento. Delegacias especializadas, hospitais e demais serviços de saúde muitas vezes revitimizam as mulheres que buscam assistência, seja por meio de julgamentos morais, burocracias excessivas ou até mesmo negligência no atendimento. Em casos de violência sexual, muitas vítimas relatam que ao denunciar a agressão são desacreditadas, maltratadas e desencorajadas a seguir com o processo legal. Nos hospitais, mulheres que necessitam de atendimento emergencial após estupros ou que buscam realizar abortos dentro dos parâmetros legais enfrentam resistência e até mesmo obstrução por parte de profissionais que impõem suas crenças pessoais sobre o dever ético da profissão.

Além disso, o julgamento público imposto às mulheres que ousam reivindicar seus direitos sexuais e reprodutivos é uma forma de violência simbólica que dificulta ainda mais o acesso a esses direitos. A exposição midiática de casos de aborto ou gravidez indesejada frequentemente reforça estereótipos negativos, apresentando essas mulheres como irresponsáveis ou criminosas. O medo da condenação social faz com que muitas desistam de procurar ajuda ou sejam forçadas a lidar com a situação de maneira solitária e arriscada.

O impacto dessas coberturas é profundo. Ao moldar a opinião pública, a mídia influencia diretamente as decisões políticas e legislativas no país. O crescimento de uma bancada conservadora no Congresso Nacional, alinhada a valores religiosos, tem resultado em sucessivas tentativas de retrocesso nos direitos já conquistados pelas mulheres. Projetos de lei que buscam restringir ainda mais o acesso ao aborto legal, dificultar a distribuição de métodos contraceptivos e deslegitimar a educação sexual nas escolas são reflexo direto desse cenário. Em 2024, ao menos 20 novos projetos foram apresentados na Câmara dos Deputados, para dificultar o acesso ao aborto legal, a exemplo do Projeto de Lei 1.904/2024 que prevê uma condenação maior à mulher vítima da violência do que ao estuprador.

Entretanto, há também vozes que resistem e lutam por uma cobertura mais equilibrada e responsável. Coletivos feministas, organizações de direitos humanos e veículos de comunicação independentes têm desempenhado um papel crucial na desconstrução de discursos conservadores e na promoção de uma abordagem mais informativa e humanizada. O Portal Catarinas e a campanha Nem Presa Nem Morta, por exemplo, lançaram em 2023 o guia “Boas práticas de cobertura feminista sobre aborto no Brasil”. O desafio, contudo, permanece: é preciso que a mídia tradicional e a religiosa reconheçam sua responsabilidade na garantia da informação de qualidade, baseando-se em dados científicos e princípios democráticos, ao invés de perpetuar estereótipos e reforçar desigualdades.

Em um país onde a autonomia das mulheres sobre seus corpos ainda é um tema de intenso debate e disputa, a maneira como a mídia cobre essa questão tem um peso decisivo. O direito à informação é um pilar essencial para o avanço dos direitos sexuais e reprodutivos, e, enquanto a comunicação continuar refém de discursos moralistas e descontextualizados, as mulheres seguirão enfrentando obstáculos para exercer sua plena cidadania.

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Last Update: 23/03/2025