Marcelo Zero: Uma Sombra de Desapontamento

La Vergonha!

Por Leonardo Branco**

Como se sabe, as olimpíadas surgiram na antiga Grécia como forma de buscar paz e conciliação entre as diferentes cidades-estados.

A competição pelos jogos visava substituir a competição pela guerra.

As chamadas olimpíadas modernas, ressuscitadas pelo Barão de Coubertin, também seguiam o mesmo princípio.

Como havia escrito em artigo anterior que publiquei em março deste ano (“A Morte do Espírito Olímpico”), o espírito olímpico começou a morrer quando os EUA e aliados boicotaram as Olimpíadas de Moscou de 1980, alegando, como motivo, a intervenção soviética no Afeganistão.

Uma hipocrisia sem tamanho, vinda de um país tão intervencionista quanto os EUA, o qual, por uma dessas ironias da história, passou mais de duas décadas invadindo o mesmo Afeganistão.

Milhares de atletas foram prejudicados severamente. Anos e anos de treinos duros foram jogados fora. Patrocínios foram cancelados. Sonhos viraram pesadelos.

Em 2020, o então presidente o Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, que fora atleta na época das Olimpíadas de Moscou, comentou sobre o clima da época:

O então chanceler alemã, em um debate sobre o tema, iniciou a reunião com militares de alto escalão para mostrar o mapa onde havia tanques, oleodutos e tudo mais, e construindo um cenário onde ele então disse no final algo como: “E se você quiser arriscar uma Terceira Guerra Mundial, então é melhor ir para Moscou.”

A pressão política contra essas olimpíadas foi enorme. Thomas Bach não conseguiu competir. Em nenhum momento, a opinião dos atletas foi consultada.

Agora, nas Olimpíadas de Paris, atletas russos e bielorrussos podem até competir, mas em condições humilhantes, que contrariam o espírito olímpico.

Tais atletas, além de não poderem usar uniformes de seus países, não poderem envergar quaisquer símbolos vinculados às suas nacionalidades e não poderem ouvir seus hinos, não podem também ter manifestado qualquer apoio a seus países, em relação ao conflito com a Ucrânia.

Na prática, é um novo boicote aos atletas. Saliente-se que, por força dessas circunstâncias, apenas 15 atletas russos vão competir em Paris, um número absolutamente ridículo. Normalmente, são centenas.

Entretanto, surgiu agora um novo boicote, ainda mais grave: o boicote aos jornalistas russos e bielorrussos.

Alegando razões de segurança e medo de espionagem, a França negou credenciais para muitos jornalistas e bielorrussos.

Tais alegações são um tanto ridículas. O que esses jornalistas iriam fazer? Transmitir informações sigilosas sobre as táticas dos times de outros países?

Na realidade, é retaliação política pura e simples. Uma retaliação que, obviamente, contraria compromissos internacionais da França.

Por exemplo, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), da qual a França faz parte, dedica-se, entre outras coisas, a promover a liberdade de informação e de imprensa.

Independentemente da opinião que se possa ter do atual governo russo ou do conflito na Ucrânia, os jornalistas russos e bielorrussos deveriam ter o direito de trabalhar, assim como os atletas deveriam ter o direito de competir de forma livre, independentemente de nacionalidade e de quaisquer posições políticas que possam ter.

Estranhamente, instituições que defendem usualmente a liberdade de informação e de imprensa permanecem silentes.

Mas há aí um problema de fundo, que é o do comprometimento da neutralidade de instituições internacionais.

Esse boicote se assemelha bastante ao boicote financeiro contra a Rússia pelo sistema SWIFT, o qual, em tese, deveria ser neutro.

Por óbvio, as olimpíadas deveriam também ser neutras, respeitando os princípios que as fundaram. Não deveriam ser terreno para disputas geopolíticas, boicotes e sanções.

À luz do direito internacional, enfatize-se, quaisquer sanções só são legítimas quando aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

E à luz dos compromissos internacionais sobre liberdade de informação e dos princípios que criaram as olimpíadas, jornalistas e atletas deveriam trabalhar e competir sem restrições.

O mundo não precisa de uma nova guerra fria. Precisa de mais paz e espírito olímpico.

La Vergonha!

**Leonardo Branco é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

Leia também

Leonardo Branco: A morte do esporte olímpico

Artigo Anterior

Um judoca iraquiano é flagrado com substância proibida nos Jogos Olímpicos de Paris

Próximo Artigo

Confiança do Consumidor registra segunda alta seguida em julho, alcançando 92,9 pontos, destaca FGV IBRE

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter por e-mail para receber as últimas publicações diretamente na sua caixa de entrada.
Não enviaremos spam!