Ucrânia e a Rússia esperam Pela Paz

Por Marcelo Zero*

Trump prometeu acabar com a guerra na Ucrânia no primeiro dia de seu mandato.

Claro que não é tão simples assim, mesmo para o bravateiro e praticante de bully mundial.

A Rússia não é o Panamá ou o México, ou Colômbia, nem mesmo a Dinamarca e o Canadá.

A Rússia tem um grande exército convencional, enorme capacidade de produção de munições e armamentos (que supera em muito a da própria Otan) e o maior arsenal de armas nucleares do mundo.

Também está conseguindo conviver com as draconianas sanções impostas, desde 2022, pelo chamado Ocidente, graças à sua profunda aliança estratégica com a China e aos seus laços econômicos e comerciais com países como a Índia, o Irã e o próprio Brasil ( no ano passado, 2024, nossa corrente de comércio com a Rússia bateu seu recorde histórico).

Ademais, após a fracassada “contraofensiva ucraniana”, que prometeu muito, mas não entregou nada, a Rússia retomou, desde o segundo semestre de 2023, a ofensiva estratégica, e passou, aos poucos, a retomar toda a região do Donetsk e o Sul da Ucrânia.

Há poucos dias, por exemplo, no sudoeste de Donetsk, as forças russas ocuparam Velyka Novosilka e um assentamento vizinho, além de duas aldeias a sudoeste de Pokrovsk, avançando mais perto da fronteira administrativa com a região de Dnipropetrovsk. Na região estratégica de Kharkiv, as forças russas avançaram para o norte e leste de Kupiansk, tomando dois assentamentos.

Assim, as forças russas avançam, ante um impotente e exaurido exército ucraniano, que já teria perdido mais de 500 mil homens e cuja média de idade estaria em torno de 40 anos.

Na realidade, os EUA sabem, desde o governo Biden, que a Ucrânia não possui nenhuma condição de ganhar a guerra contra a Rússia. O prolongamento da guerra apenas acrescenta mais sofrimento inútil, destruição e morte.

A Ucrânia nunca teve uma chance realista de recuperar um centímetro de território perdido, e, muito menos, de alcançar uma vitória militar completa contra a Rússia, um adversário muito superior, em termos de disponibilidade de tropas e produção militar, mesmo com o apoio da Otan.

Até mesmo um artigo recente na Time revelou que a administração americana anterior estava ciente disso.

“Quando a Rússia invadiu a Ucrânia há quase três anos”, afirma o artigo, “o presidente Joe Biden estabeleceu três objetivos para a resposta dos EUA. A vitória da Ucrânia nunca esteve entre eles”.

Esta é uma admissão bastante chocante, considerando que, durante grande parte dos últimos três anos, tanto Washington quanto Bruxelas se comprometeram publicamente a “garantir a vitória da Ucrânia”.

Contudo, no último mês, a guerra na Ucrânia se tornou menos intensa.

O número de perdas diárias do lado ucraniano, conforme fornecido pelo Ministério da Defesa da Rússia, diminuiu de uma média de 2.200 por dia no início de novembro de 2024 para uma média de 1.600 por dia, no final de janeiro de 2025.

A Ucrânia também reconheceu que o nível de violência diminuiu.

Nos últimos sete dias, o número de operações de assalto do exército russo em toda a linha de frente foi também significativamente reduzido.

Os motivos para a diminuição são desconhecidos. Poderia muito bem estar relacionado ao clima, já que um inverno relativamente quente causou uma temporada prolongada de lama, o que torna os ataques em terras abertas mais difíceis.

Mas um outro motivo pode estar relacionado às negociações em andamento.

Ontem, o lado russo confirmou pela primeira vez que os contatos diplomáticos com os EUA se intensificaram: “De fato, há contatos entre departamentos individuais, e eles se intensificaram recentemente. Mas não posso contar mais detalhes, não há mais nada a dizer”, disse Peskov, porta voz de Putin, aos repórteres, de acordo com a mídia estatal russa.

Segundo o The Washington Post, Trump já teria efetuado alguns telefonemas para Putin.

Na próxima semana, o general Kelloggs, enviado de Trump à Ucrânia, deve anunciar novos planos para negociações de paz sobre a Ucrânia. Resta ver se haverá mudança real na estratégia dos EUA, ou se a paz na Ucrânia é apenas mais uma bravata de Trump. Se assim for, a Rússia terá que vencer a guerra no campo de batalha.

Entretando, a ameaça do presidente Donald Trump de encerrar a ajuda militar à Ucrânia provocou pânico nas principais capitais europeias e desencadeou um debate sobre se a União Europeia pode levantar dinheiro suficiente para “preencher a lacuna”.

À medida que os chefes de estado europeus elaboram soluções para aumentar sua ajuda militar, em meio a orçamentos limitados, desafios logísticos e divisões políticas internas, eles estão evitando a questão real: Bruxelas deveria oferecer mais apoio financeiro e militar à Ucrânia em primeiro lugar?

Neste ponto, o establishment político europeu opera sob uma suposição compartilhada e incontestável: que o apoio da Otan foi, e continua sendo, crítico para a Ucrânia.

Mesmo aqueles que reconheceram — em grande parte devido ao retorno de Trump à Casa Branca — que a Ucrânia não pode vencer esta guerra e que as negociações são essenciais para a paz, como o chanceler alemão Olaf Scholz, ainda argumentam que o apoio da Otan continua sendo necessário para garantir que a Ucrânia possa eventualmente negociar com a Rússia a partir de “uma posição de força”.

Outros, incluindo o provável próximo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, continuam a insistir que a Ucrânia pode e deve vencer esta guerra e “restaurar [sua] integridade territorial”, o que presumivelmente inclui a Crimeia.

Essa é uma completa ilusão. A bem da verdade, a Ucrânia não apenas não pode derrotar a Rússia militarmente, como também não conseguirá melhorar suas condições no terreno para “negociar a paz sob uma posição de força”. A ofensiva em Kursk, por exemplo, fracassou totalmente.

A única maneira de se conseguir uma paz duradoura na Ucrânia é mediante:

a) Reconhecimento da soberania da Rússia sobre a Crimeia;

b) Reconhecimento da soberania da Rússia sobre o Donbas, ou, pelo menos, uma real autonomia da região, conforme fora acordado nos Acordos de Minsk;

c) A neutralidade do território ucraniano;

d) Um acordo de paz amplo, duradouro;

e) O levantamento das sanções contra a Rússia.

Sem isso, não haverá paz real na Ucrânia; e a carnificina só se intensificará.

Na realidade, a grande preocupação de Trump é de reduzir os gastos com a guerra e obrigar a Europa a assumir boa parte dos custos, inclusive sob ameaças tarifárias.

Não obstante, sob o ponto de vista geoestratégico, assumir a derrota militar da Ucrânia e da Otan significaria enfraquecer a geoestratégia para a Eurásia concebida por Zbigniew Brzezinski, em O Grande Tabuleiro de Xadrez, e fortalecer, indiretamente, a posição da China, o grande rival geopolítico naquele supercontinente e no mundo.

Evidentemente, Trump não conseguirá causar fissuras, na relação estratégica entre Rússia e China.

Entretanto, um armistício “a la Coreia”, guerra que nunca foi oficialmente encerrada, com o congelamento das posições atuais e o cesse das hostilidades, poderia dar a Trump a possibilidade de se concentrar em suas pressões contra a China, especialmente no Mar do Sul da China e em Taiwan.

Trump está abrindo muitas frentes políticas e econômicas concomitantes.

Desse modo, um cessar-fogo e um armistício na Ucrânia poderia lhe dar um fôlego necessário.

Resta ver se o bravateiro vai conseguir alguma coisa com Putin. Terá de fazer concessões. Concessões reais.

E terá de esquecer de “rivieras” no Mar Negro.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

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Last Update: 10/02/2025