The Economist Está Muito Abaixo de Lula

Por Marcelo Zero*

A marca essencial da atual política externa da maioria dos países ocidentais é a da incoerência e da hipocrisia.

A The Economist deveria se olhar no espelho quebrado da geopolítica do Ocidente, em vez de criticar o Brasil de Lula.

Numa matéria inacreditável, a The Economist, refletindo o crescente isolamento planetário e a óbvia divisão do chamado Ocidente, criticou Lula, afirmando que o presidente brasileiro perdeu sua influência (clout) no exterior.

De onde a The Economist tirou esse dado tão imparcial e objetivo é um mistério. Provavelmente fez uma pesquisa entre seus editores reacionários, sempre dispostos aa criticar quaisquer dissidências dos cânones ocidentais mais primários e ideológicos.

De imediato, pode-se perceber que a vetusta publicação ficou irritada com o fato de que o presidente Lula condenou o ataque norte-estadunidense ao Irã, ao dizer que tal ataque era uma violação da lei internacional.

O ataque estadunidense, foi, de fato, uma violação grave da Carta da Nações Unidas, que condena quisquer ataques desse tipo. Nesse sentido, o governo brasileiro apenas reafirmou o que deveria ser óbvio até para The Economist:

“Qualquer ataque armado a instalações nucleares representa flagrante transgressão da Carta das Nações Unidas e de normas da Agência Internacional de Energia Atômica. Ações armadas contra instalações nucleares representam uma grave ameaça à vida e à saúde de populações civis, ao expô-las ao risco de contaminação radioativa e a desastres ambientais de larga escala”.

O que há de incoerente ou dúbio, nessa declaração?

Mas a The Economist afirma que o Brasil, acompanhando algumas democracias do Ocidente, deveria ter apoiado a loucura ou apenas ter “demonstrado preocupação”.

Ora, a Nota do Brasil sobre o assunto começa justamente afirmando que:

“O governo brasileiro expressa grave preocupação com a escalada militar no Oriente Médio e condena com veemência, nesse contexto, ataques militares de Israel e, mais recentemente, dos Estados Unidos, contra instalações nucleares, em violação da soberania do Irã e do direito internacional”. 

Aparentemente, a The Economist viu, com inquietante naturalidade, a escalada de violência no Oriente Médio, a violação da Carta das Nações Unidas e o bombardeio a instalações nucleares.

Para ela, tudo está certo.

De fato, as “democracias ocidentais” são muito coerentes, nesse aspecto. Manifestam, sistematicamente, fidelidade canina às agressões do Império e às seguidas agressões ao Direito Internacional.

Foi assim na guerra no Iraque, na Líbia, no Afeganistão etc. Por que haveria de ser diferente, no caso do Irã?

A diplomacia e o direito que se danem. O importante, o “coerente”, o “democrático” é impor violência à vontade. É usar, com desenvoltura, o Big Stick. Esse seria o termômetro da “democracia”.

Provavelmente, a The Economist vê também com naturalidade o massacre em Gaza. Tudo muito coerente e democrático.

O interessante é que as Nações Unidas, afirmaram, mediante seus especialistas, que:

“Esses ataques (contra o Irã) violam as regras mais fundamentais da ordem mundial desde 1945 – a proibição do uso agressivo da força militar e os deveres de respeitar a soberania e não intervir coercitivamente em outro país”, disseram os especialistas. “Os líderes políticos e militares americanos responsáveis também podem ser responsabilizados pelo crime internacional de agressão”.

“Os ataques também ameaçaram seriamente os direitos humanos, incluindo os direitos à vida, à segurança pessoal, à saúde, a um meio ambiente limpo e à autodeterminação do povo do Irã”, disseram.

Aparentemente, as Nações Unidas também não estão adaptadas, como o Brasil, ao mundo de hoje, à nova distopia mundial hobbesiana criada pelo muito democrático e coerente Donald Trump.

A maior parte dos países do mundo, frise-se, também condenou o ataque. Assim, para a The Economist, a maior parte do mundo é incoerente e dúbia.

A revista também condena Lula por não ter se reunido com Trump, “ter se afastado dos EUA” e ter se aproximado da China.

Ora, ao que se saiba, Trump não convidou (ainda) Lula para comparecer à já famosa arapuca geopolítica da Casa Branca, na qual caíram Zelensky e Cyril Ramaphosa. Um show humilhante de horrores.

O Brasil não está se afastando dos EUA. Na realidade, Lula sempre manteve excelentes relações com os presidentes dos EUA, de Bush Junior a Biden. Somente a The Economist desconhece esse fato amplamente conhecido.

A bem da verdade, é Donald Trump quem está se afastando do mundo, das regras internacionais e da democracia. Com ele, vai junto a The Economist.

Todo o planeta sabe, menos a The Economist, que Trump está agredindo o mundo inteiro, mesmo seus aliados ocidentais e democráticos mais tradicionais.

Ameaçar o Canadá de anexação é algo democrático e coerente?

Ameaçar a Groenlândia e a Dinamarca de agressão militar é algo coerente e democrático?

Massacrar, às dezenas de milhares, bebês e mulheres palestinos é algo coerente e democrático?

Genocídios e crimes de guerra devem ser normalizados?

É assim que o apoio aos direitos humanos e à democracia da The Economist se manifesta? Dessa forma, assim digamos, um tanto dúbia?

Impor, pela força, barreiras alfandegárias unilaterais os borbotões, contrariando os princípios da OMC e todas as regras multilaterais, é algo normal e democrático?

É assim que a adesão da The Economist ao livre comércio se manifesta?

Lula e o Brasil têm de se adaptar a esse circo monumental atemorizante de violência e unilateralismo? A esse Brave New World do “Ocidente”. Isso é que é ser moderno?

Afinal, o que a The Economist entende por democracia e direito internacional?

Afinal quem é mais democrático no campo internacional? Trump e Netanyahu, que ameaçam, agridem e massacram seus rivais e mesmo antigos aliados, ou a China, que busca dialogar e comerciar com todo o mundo?

Neste momento, Lula está fazendo um grande esforço para fechar um acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul, contrapondo-se à loucura protecionista de Trump. Mas quem estão resistindo são as “democracias ocidentais coerentes”, como França, Áustria etc. Muito coerente. Protecionismo pouco dúbio.

Como todo o mundo sabe, menos a The Economist, a política externa do Brasil é multilateralista, multipolar, pacífica e procura manter relações profícuas e respeitosas com todos os países do mundo, sem discriminações.

O que a The Economist não consegue perceber, por ser tão preconceituosa, obtusa e reacionária, é que o mundo mudou.

A antiga ordem internacional sustentada pelo EUA e seus aliados não existe mais.

A geoeconomia mudou e a geopolítica também. O BRICS, goste ou não a The Economist, é hoje grupo fulcral para se entender o a nova ordem planetária, muito mais desconcentrada.

O mundo caminha em direção ao Sul Global, algo que deverá ser acerelado pela insanidade trumpista, que vai tentar transformar os EUA numa autêntica autocracia e o mundo numa terra sem regras.

O BRICS e o Sul Global são solução para uma ordem global distópica e unilateralista, que não responde mais aos desafios ambientais, econômicos e sociais do planeta.

Lula e o Brasil fazem parte dessa solução. Eles não se alinham e não se submetem a ninguém, muito menos aos parvos decadentes da The Economist, que apenas está cumprindo seu triste papel de ajudar a promover uma guerra híbrida contra o governo independente do Brasil.

O Brasil perdeu muita influência mundial, sim, na época de Bolsonaro, aquele que batia continência para a bandeira estadunidense, e que, nos foros mundiais, conversava com assombrados garçons.

Lula recuperou o protagonismo brasileiro e recolocou nossa diplomacia, no rumo correto do multilateralismo, da multipolaridade, da diversificação diplomática, do ambientalismo e da paz.

Lula e o Brasil estão do lado certo da História. Ao lado da maioria do planeta. Ao lado do multilateralismo, tão ameaçado pelo Ocidente trumpista e violento.

Já a The Economist, coitada, estacionou na década de 90 do século passado.

Não está entendendo nada. Foi atropelada pelo novo cenário mundial e está perdida, agredindo, por encomenda, quem tem a dignidade e a coerência de defender a humanidade e seus valores maiores.

The Economist manifesta muita pobreza intelectual e grande viés geopolítico. Podiam, ao menos terem recorrido a chats de inteligência artificial. Teriam se saído melhor.

A The Economist está muito abaixo de Lula.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

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Last Update: 01/07/2025