Marcelo Zero: Ser pequeno é o pior negócio

Ser Pequeno é o Pior Negócio

Por Marcelo Zero*

Charles de Gaulle, um ardente defensor da soberania francesa e da soberania da Europa, costumava dizer que o negócio mais ruinoso, mais danoso, é o negócio de “ser pequeno”.

Com efeito, “ser pequeno”, no sentido de não defender e projetar seus interesses próprios, é uma calamidade. Optar pela subalternidade significa optar pela mediocridade, pela ruína geopolítica. Pela ausência de futuro.

Uma coisa é ser aliado, algo muito positivo entre nações efetivamente soberanas. Outra coisa é ser subalterno, sempre disposto a fazer concessões, às vezes humilhantes, para promover os interesses de terceiros, em detrimentos de seus próprios e justos anseios.

Pois bem, a Europa vem demonstrando, para horror do finado de Gaulle, o qual deve estar se contorcendo na sua tumba em Colombey-les-Deux-Églises, que resolveu, de vez, renunciar a qualquer resquício de dignidade e soberania.

Numa demonstração vergonhosa de subalternidade canina, o Secretário-geral da Otan, o holandês Mark Rutte, afirmou a Trump que: “Você está alcançando mais um grande sucesso em Haia esta noite”. “A Europa vai pagar em GRANDE escala, como deveria, e a vitória será de você”. “Você vai conseguir algo que nenhum presidente americano conseguiu em décadas.”

Foi dessa forma, num, digamos assim, transbordamento de efusiva bajulação, que o minúsculo Rutte comemorou a genuflexão da Europa ante a exigência de Trump de que esse outrora orgulhoso continente passe a investir 5% do seu PIB para manter a obsoleta e inútil Otan e a já perdida guerra da Ucrânia.

Não satisfeito, Rutte, o infinitesimal, ainda observou, ante a atuação de Trump na breve guerra entre Israel e Irã, que, afinal das contas, o “Papai” tinha “falado grosso” para for fim à briga entre os rebentos.

“Papai” Trump ficou muito envaidecido com a vitória sobre os subalternos e, mais ainda, com a demonstração pública de submissão pessoal e geopolítica. Algo nauseante, provavelmente só emulado quando Bolsonaro prestou continência à bandeira estadunidense.

“Papai” já pensa até no Prêmio Nobel da Paz, algo a que ele faria jus por direito divino e, sobretudo, imperial.

Afinal, se Henry Kissinger e Barack Obama conseguiram….. Ser presidente dos EUA é praticamente meio passo andado para se obter a duvidosa láurea escandinava. Até Theodore Roosevelt, o ideólogo do “Big Stick”, a obteve.

O fato é que a Europa está cometendo um erro gigantesco, submetendo-se às exigências militares e econômicas de “Papai”, em vez de apostar em paz e negociações na Eurásia. E em investimentos em sua própria economia, principalmente em energia e em áreas estratégicas como inteligência artificial, amplamente dominada pelos EUA e pela China.

A zona do Euro está com déficit primário de 3,2% e a relação dívida/PIB ultrapassa os 87%. Como ficarão esses indicadores com a multiplicação para 5% do PIB com gastos militares?

“Papai” cortou a mesada e, agora, eles vão cortar gastos sociais para sustentar uma Ucrânia já derrotada e se armar para se defenderem contra a imaginária ameaça de Putin.

A Europa passa por crise econômica e energética séria. A outrora poderosa indústria alemã, principalmente a automotiva, enfrenta gargalos de monta, mas a prioridade que “Papai” impôs foi a multiplicação dos gastos militares para uma organização que os próprios EUA impuseram à Europa.

A ameaça real à Europa vem de Trump e do seu unilateralismo hobbesiano, que atropela todas as regras, todos os tratados e todos os países que não se submetem aos seus diktats.

Vem da guerra comercial que o MAGA está impondo ao mundo inteiro, ao arrepio das regras da OMC e do common sense, the less common of the senses.

Fazer o quê? Não há mais um de Gaulle ou um Churchill. Há Macrons e Starmers, seres observáveis apenas com microscópios, e com esforço.

No plano interno, “Papai” também se impõe aos submissos. A Suprema Corte dos EUA, a “Alta Corte” mais rebaixada do planeta, acabou de lhe dar uma carta branca para o cometimento de toda sorte de ilegalidades e inconstitucionalidades, como a extinção do jus solis, sem que a Justiça, esse detalhe incômodo, possa perturbar seu animus autocrático.

Algo semelhante ao que se passa no Brasil, cujo Congresso ensaia a imposição de uma espécie inusitada de autocracia legislativa ou fisiológica, que almeja, de forma cândida e inocente, situar-se acima das regras e da Constituição, aninhada num aconchegante limbo de impunidade, de ausência de accountability e de franca agressão ao princípio da separação entre os poderes. A usurpação das prerrogativas caminha concomitantemente com a usurpação das emendas.

Felizmente, não temos um Rutte à frente do país. Um rato que vai aceitar o bullying do “Papai” ou dos candidatos internos a “Papai”.

Lula não é pequeno. É do tamanho do povo brasileiro. Nem mais, nem menos.

Vale a pena lutar pela soberania, externa e interna. A causa é decisiva. Causa grande para grandes.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

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