Parabéns, “Papai’!

Por Marcelo Zero*

Mark Rutte, o impagável secretário-geral da Otan, que chama Trump de “papai”, revelando, assim, toda a constrangedora submissão geopolítica de seu órgão, em relação aos EUA, advertiu Brasil, China e Índia, parceiros do BRICS, que não podem mais comerciar com a Rússia.

Caso insistam, terão de pagar uma tarifa punitiva, uma sanção política, de 100% sobre os produtos exportados para os EUA.

“Se você for o presidente da China, o primeiro-ministro da Índia ou o presidente do Brasil e ainda estiver negociando com os russos e comprando seu petróleo e gás (…), às vezes antes de vendê-los por um preço mais alto, saiba que, se esse cara em Moscou (Putin) não levar as negociações de paz a sério, eu lhe imporei sanções secundárias de 100%”, afirmou Rutte a repórteres.

“Meu incentivo a esses três países, em particular, é que, se você mora em Pequim, ou em Delhi, ou é o presidente do Brasil, talvez queira analisar isso, porque pode ser muito prejudicial”, disse.

“Então, por favor, liguem para Vladimir Putin e digam a ele que ele precisa levar as negociações de paz a sério, porque, caso contrário, isso vai prejudicar o Brasil, a Índia e a China de forma massiva”, acrescentou.
Inacreditável.

Já que Trump não conseguiu a paz na Ucrânia, como tinha prometido a todo o mundo durante a campanha presidencial (bastaria um telefonema, dizia), agora ameaça com sanções comerciais não apenas a Rússia, já submetida a dezenas de outras sanções, mas também os três outros principais membros do BRICS.

Rutte e Trump sabem bem que tarifas punitivas de 100% contra a Rússia não farão a menor diferença, pois o comércio bilateral EUA/Rússia já está praticamente paralisado.

Como assinalei em outro artigo, em 2021, antes da guerra na Ucrânia e da imposição das pesadas sanções dos EUA e do Ocidente à Rússia, a corrente de comércio entre esses dois países chegou a US$ 36 bilhões.

Já no ano passado (2024), com as duras sanções impostas, a corrente de comércio alcançou apenas US$ 3,5 bilhões, ou seja, o comércio entre EUA e Rússia já caiu a menos de 10% do que era. Para o tamanho desses países, é nada.

Os EUA continuam importando, em pequena escala, entretanto, alguns itens de que realmente precisam, como fertilizantes (como o Brasil), metais não ferrosos raros, como paládio e platina, e até radioisótopos.

A coisa muda de figura, é claro, com Brasil, Índia e China.

A Índia importou US$ 67,15 bilhões da Rússia, em 2024, sendo que US$ 54 bilhões foram de óleo russo, pagos em moeda local ou via operações triangulares.

Já a China importou, em 2024, USS 130 bilhões da Rússia, incluindo óleos, gás liquefeito de petróleo, fertilizantes etc. Na realidade, a corrente de comércio Rússia-China chegou, no ano passado, a US$ 244 bilhões, a maior da história.

Já o Brasil, mais modesto, importou cerca de US$ 10 bilhões de produtos russos. Em sua maior parte, importamos óleos, materiais betuminosos e adubos e fertilizantes. Esses dois últimos bens são, obviamente, muito importantes para nossa agricultura.

Ao todo, esses três países importaram cerca de US$ 210 bilhões da Rússia, ajudando, assim, a manter funcionando a economia russa, mesmo com o severo embargo comercial imposto pelo Ocidente a Moscou. Isso é praticamente a metade do que a Rússia conseguiu exportar em 2024, cerca de US$ 434 bilhões.

Mas, curiosamente, a União Europeia, que importou cerca de US$ 37 bilhões da Rússia, em 2024 (quase 4 vezes mais que o Brasil), foi excluída das ameaças de Trump e da Otan. Claro, os países da UE fazem parte da Otan, à exceção de Áustria, Chipre, Irlanda e Malta.

A Turquia também importou cerca de 3 vezes mais que o Brasil da Rússia (US$ 31 bilhões) em 2024, mas também não foi ameaçada, pois faz parte da Otan.

A ameaça ficou restrita, nominalmente, assim, a 3 países do BRICS, o que demonstra o caráter geopolítico da ameaça comercial.

“Papai Trump” não quer apenas acabar com a guerra na Ucrânia. Parece que “Papai Trump” está mais empenhado em acabar com o BRICS. Jogar uns contra outros. O velho divide et impera.

Aliás, as inacreditáveis tarifas impostas ao Brasil, que, pelo volume, mais parecem juros cobrados pela Máfia (nesse caso, a alguém que nada deve, e que, ao contrário, é credor), não foram suscitadas apenas por solidariedade imoral a Bolsonaro et caterva, mas também, talvez sobretudo, pela reunião do BRICS, no Rio de Janeiro, a qual deixou “Papai” muito irritado.

“Papai “passou de laranja a vermelho, com as menções à desdolarização, ao domínio público dos dados digitais, ao combate internacional à evasão fiscal, à taxação internacional dos super-ricos etc. “Papai” não gosta nada disso.

“Papai”, além de ignorante e rude, anda meio gagá. Seu pequeno cérebro, do tamanho de uma bola de golfe, anda meio deteriorado. Parou no início do século 20 e flerta, abertamente, com uma ditadura institucional.

Até uma conservadora de boa cepa como Kori Schake já disse que “Papai ““transformou os EUA de “indispensáveis a insuportáveis.”

Paul Krugman, por sua vez, já lhe recomendou um sanitário impeachment.

Mas “Papai” conta com a fidelidade canina, talvez literalmente canina, de “gente” como Rutte, o fofo poodle holandês, com pelos pintados de laranja. Cor da sua bandeira, cor do seu coração político.

Não é suficiente. “Papai”, “insuportável” e beirando a demência política, não vai se sustentar por muito tempo, creio. Será atropelado pelo mundo (a maioria global) e pela História.

Diziam os gregos que aqueles a quem os deuses querem destruir primeiro enlouquecem. Que os deuses sejam ouvidos.

Em todo caso, “Papai” conseguiu, recentemente, uma proeza política notável. Uniu o Brasil contra o bolsonarismo quinta-coluna e o trumpismo.

Parabéns, “Papai”!

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Last Update: 16/07/2025