A Tarifa Mais Pesada é a Tarifa da História

Por Marcelo Zero*

Donald Trump resolveu retroceder, na sua política em relação à Ucrânia.

Pouco antes das eleições, prometeu acabar a guerra em um dia. Chegou a até a pressionar Zelensky, na própria Casa Branca, em termos bastante rudes.

Depois, estendeu o prazo em algumas semanas. Sem solução.

O problema essencial, nessa questão, é que o governo de Zelensky e o próprio Ocidente, principalmente a Europa, não aceitam o fato de que a guerra já está perdida para a Ucrânia. Esse país simplesmente não tem como repor suas perdas de militares, na “guerra de atrito” com a Rússia.

Contudo, nem Kiev, nem a Otan, aceitam as condições da Rússia para a paz, as quais incluem as perdas territoriais dos 4 oblasts já conquistados por Moscou, o reconhecimento da soberania russa sobre a Crimeia e a neutralidade da Ucrânia.

Além disso, na Europa propalou-se o mito de que Putin pretende recriar o “Grande Império Russo”, e que a Ucrânia seria a “primeira vítima” das muitas que viriam.

Não há base fática alguma para essa crença paranoica, mas é a visão predominante nas hostes da Otan.

Diga-se de passagem, a Rússia não pretende e nunca pretendeu “conquistar a Ucrânia”. Sua estratégia é nitidamente defensiva, quando levamos em consideração o quadro geral criado pela expansão injustificada da Otan para o Leste, algo especificamente concebido para sufocar a Rússia, já na década de 1990.

De qualquer forma, Trump resolveu endurecer com a Rússia e tomou a decisão de impor tarifas de 100% a essa nação ou a países que façam comércio com Moscou. Além disso, prometeu enviar armas de tecnologia avançada para a Ucrânia, “pendurando”, entretanto, a conta na Europa.

Em relação às novas tarifas de 100% à Rússia, elas são, na realidade, novas sanções que se adicionam às muitas já existentes. Elas, por conseguinte, não terão um impacto direto significativo na economia russa.

Em 2021, antes da guerra na Ucrânia e da imposição das pesadas sanções dos EUA e do Ocidente à Rússia, a corrente de comércio entre esses dois países chegou a US$ 36 bilhões. Já no ano passado (2024), com as duras sanções impostas, a corrente de comércio alcançou apenas US$ 3,5 bilhões, ou seja, o comércio entre EUA e Rússia já caiu a menos de 10% do que era.

Nessas condições, novas tarifas (na realidade, novas sanções) não irão fazer diferenças significativas, no cenário de paralisação prática desse comércio bilateral.

Entretanto, as novas tarifas também atingiriam países que fazem comércio com a Rússia.

Um país que potencialmente seria muito afetado poderia ser a Índia. A Rússia fornece mais de 40% do total do petróleo importado pela Índia. Só em 2024, a Índia comprou, em moeda local ou via operações triangulares, cerca de US$ 54 bilhões de óleo russo, fora outras importações.

Mas o Brasil também pode ser afetado também por essas tarifas ou sanções secundárias.

No ano passado, nosso país importou cerca de US$ 10 bilhões de produtos russos. Em sua maior parte, importamos óleos, materiais betuminosos e adubos e fertilizantes. Esses dois últimos bens são, obviamente, muito importantes para nossa agricultura.

O Brasil, destaque-se, além de adotar uma posição de neutralidade no conflito, embora tenha condenado a intervenção russa, não participa de nenhuma sanção contra Moscou, pois o nosso país só coaduna com sanções devidamente aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU, as únicas que têm legitimidade ante o direito internacional público.

Essas tarifas de 100% contra países que comerciam com a Rússia são, portanto, totalmente ilegais. Tão ilegais quanto as sanções aplicadas ao Brasil por motivos puramente políticos e geopolíticos, as quais seriam motivo, segundo Paul Krugman, Nobel estadunidense de Economia, para o impeachment de Trump.

Trump continua a usar das tarifas, um instrumento de defesa comercial, a ser usado de forma parcimoniosa e sóbria, conforme os princípios e regras da OMC, que os próprios EUA criaram, muitas vezes como uma arma política e geopolítica contra rivais e aliados, de forma indistinta.

É algo que beira a insanidade e que está gerando o caos, no comércio mundial.

Isso está irritando os conservadores mais lúcidos dos EUA.

Segundo KORI SCHAKE, que é pesquisadora sênior e diretora de Estudos de Política Externa e de Defesa do American Enterprise Institute e autora de “Safe Passage: The Transition From British to American Hegemony”, autora muito respeitada entre Republicanos tradicionais:

”… a errática guerra comercial de Trump, que visa igualmente rivais e aliados, abalou os mercados, assustou investidores e convenceu os parceiros de Washington de que não podem mais confiar nos Estados Unidos. Trump ameaçou a soberania de aliados e criticou publicamente seus líderes, ao mesmo tempo em que elogiava os ditadores e bandidos que os ameaçavam. A eliminação radical e peremptória da assistência externa americana pelo governo removeu uma alavanca de influência americana e transmitiu um nível de indiferença que não passará despercebido. Enquanto os amigos do país assistiam com horror e seus rivais com júbilo, os Estados Unidos passaram de indispensáveis a insuportáveis”.

Como bem escreveu no NYT Jorge Messias, nosso grande Advogado Geral da União, os EUA e o Brasil podem fazer melhor. Podem.

Creio que os EUA até querem.

O problema é Trump assumir que é presidente dos EUA; e não o chefão canhestro, ignorante e torpe do MAGA, um movimento político da extrema-direita mais beócia e reacionária, que vive de mitos do século 19.

Um movimento que torna os EUA “insuportáveis”, e que vai conduzir a Maioria Global a se afastar cada vez mais de Washington.

No médio e longo prazo, Trump vai somente acelerar a decadência e o isolamento dos EUA.

E o BRICS se tornará cada vez mais importante.

A tarifa mais pesada é a tarifa da História.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais

*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo

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Last Update: 15/07/2025