“Todo aquele que pratica a justiça é acolhido por Deus.”
Atos 10, 35.

O ex-secretário-geral do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, costumava dizer que a gratidão é das virtudes mais fugazes. Mesmo ciente disso, é impressionante como pode ser difícil reconhecer a imensa dívida que temos com aqueles que nos fizeram tanto bem.

Quero, portanto, iniciar esta coluna expressando minha infinita gratidão a Marcelo Lavenère, falecido ontem.

Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), professor de Direito da UnB e da Universidade Federal de Alagoas, procurador do Estado de Alagoas, membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz e presidente da Comissão da Verdade, Marcelo foi também o principal redator da denúncia que resultou na condenação de Fernando Collor. Para mim, porém, foi muito mais: um amigo para todas as horas, especialmente as mais difíceis e incertas.

Defendeu-me no Itamaraty sem cobrar honorários, pois entendia que a causa era política, afastando, assim, qualquer caráter comercial. Era essa sua essência: generoso e solidário. Em Alagoas, liderou movimentos de organização popular e reforma agrária até ser impactado pelo golpe militar de 1964.

Partiu um homem de outro tempo — cavalheiro, culto e bem-humorado. Mas permanecem suas ideias e ideais. Como não sentir, a cada conquista da Pátria Grande, orgulho de termos tido construtores tão bravos e clarividentes?

Em Honduras, um dos países mais pobres da América Latina, a presidenta Xiomara Castro anunciou recentemente a erradicação do analfabetismo nos próximos meses, graças ao método cubano de alfabetização. O mesmo método, oferecido ao Brasil, foi recusado, talvez por uma questão de orgulho nacional, que impede nossa plena adesão ao espírito paulofreiriano de ensinar e aprender em comunhão.

No fim de 2024, partiu também Jimmy Carter, outro homem notável. Conheci-o pessoalmente na Nicarágua, em 1986. Ele estava lá para legitimar a nova Constituição nicaraguense, recentemente promulgada. Sem aparato de segurança, conversamos, e ele me assegurou estar convicto da legitimidade e democraticidade daquele processo. Mais tarde, o Centro Carter teria papel crucial nas eleições venezuelanas de Hugo Chávez, validando a transparência dos pleitos e frustrando tentativas imperialistas de deslegitimar os resultados — situação semelhante à tentativa golpista no Brasil em 2022, liderada por Bolsonaro e seus aliados.

Ao terminar o magnífico livro De onde eles vêm, de Jeferson Tenório (Companhia das Letras), recordei-me de uma passagem que parece resumir a grandeza de homens como Lavenère e Carter:
“Ninguém havia me educado para o insucesso. Ninguém disse que há poucas recompensas por sermos boas pessoas. Que, na maioria das vezes, não há reparação das injustiças, mas que, ainda assim, é preciso ser bom.”

A direita e a extrema direita seguem na cruzada antilatino-americana e antibrasileira. Em São Paulo, por exemplo, um grave surto de virose, com milhares de acometidos e dezenas de praias impróprias para banho, não recebeu a devida atenção da mídia. Isso contrasta com o silêncio em torno do fechamento, pela empresa privatizada que adquiriu a SABESP, dos laboratórios responsáveis por analisar a potabilidade da água em todo o estado.

No plano internacional, a extrema direita, amparada por figuras como Donald Trump e Elon Musk, segue buscando apropriar-se de regiões estratégicas, como o Golfo do México e o Canal do Panamá, ecoando o expansionismo imperial de eras passadas.

Apoiam, sem disfarces, a extrema direita alemã e tentam normalizar o discurso nazifascista. Como lembrou o martinicano Aimé Césaire, em uma citação resgatada na biografia de Frantz Fanon, A Clínica Rebelde (Todavia):
“O que não é perdoável em Hitler não é o crime em si, mas o crime contra o homem branco, a humilhação do homem branco, e o fato de ter aplicado na Europa os métodos colonialistas que, até então, só concerniam aos árabes da Argélia, aos indianos e aos negros da África.”

Enquanto enfrentamos a perspectiva sombria da ascensão de criminosos ao poder nos Estados Unidos, surge uma ironia histórica: o fim da Otan — símbolo de militarismo e imperialismo — pode não vir do confronto com a Rússia, mas da desintegração interna promovida pelos próprios Estados Unidos, seu fundador e principal articulador.

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Last Update: 13/01/2025