Muitos acontecimentos movimentaram a quarta-feira (30) e a manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 15% ao ano foi um deles. Em meio ao noticiário sobre as tarifas comerciais de Donald Trump e a sanção imposta contra o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, passou quase despercebida, mas seus efeitos negativos para a sociedade brasileira permanecem e são amplamente criticados.
Um dos motivos é que o país segue com juros reais exorbitantes. Segundo a consultoria MoneYou, com os juros em 15%, o Brasil manteve a segunda maior taxa de juros reais do mundo: 9,76%, atrás somente da Turquia, com 10,08%.
Além disso, o alto patamar da Selic por tanto tempo já demonstrou ser suficiente para desacelerar a produção e segurar a inflação, direcionando seus efeitos para a convergência da meta inflacionária (o IPCA acumulado de 12 meses é de 5,35%).
Dessa maneira, perpetuar este cenário por um longo prazo tende a prejudicar a economia brasileira e atacar o mercado de trabalho, que continua aquecido com a taxa de desemprego cada vez menor.
Portanto, a decisão unânime dos membros do Comitê, com uma justificativa totalmente alinhada ao que esperava o mercado financeiro, chama a atenção de forma negativa, ao manter a faca no pescoço da sociedade, quando afirma “que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso julgue apropriado.”

Indústria
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) chamou de equivocada a decisão do Copom, pois “a política monetária contracionista impõe custos desnecessários à atividade econômica e a um cenário cada vez mais adverso para a indústria”.
O presidente da entidade, Ricardo Alban, cobra que a partir da próxima reunião os diretores do BC iniciem um ciclo de cortes: “Se isso não acontecer, o quadro econômico tende a piorar, podendo consolidar uma desaceleração ainda mais intensa do que temos observado.”
Para a CNI, a Selic deveria estar em atuais 10,59% a.a. para se equilibrar em relação à inflação, considerando a fórmula da Regra de Taylor para ajustar a taxa básica de juros ao controle inflacionário.
Na mesma linha, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) pede “prudência” ao BC, uma vez que os efeitos defasados das decisões anteriores sobre os juros já criaram alto grau de restrição: “É preciso proteger a atividade produtiva e evitar impactos desproporcionais sobre o mercado de trabalho e a competitividade do país”, diz Flávio Roscoe, presidente da entidade.
Já a Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) é ainda mais crítica ao pedir urgência por um início de ciclo de cortes. Os industriais baianos repudiam a decisão que “desconsidera os sinais claros de desaceleração inflacionária, ignora os avanços fiscais do país e impõe uma trava brutal ao crescimento da economia brasileira.”
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Para a Fieb, o alto patamar da Selic não se sustenta “sob nenhuma ótica racional”, pois “contribui ativamente para o enfraquecimento da produção, a retração dos investimentos e o aprofundamento do desemprego estrutural.”
O entendimento é de que a política monetária está “descolada da realidade”: “A comparação internacional evidencia o anacronismo da política monetária brasileira. O Federal Reserve (EUA) opera com juros entre 4,25% e 4,50%, e o Banco Central Europeu já iniciou um ciclo de cortes, com taxa atualmente em 2,15%. Enquanto isso, o Brasil se mantém atrelado a uma lógica ultrapassada, que compromete a capacidade de reação da economia.”
Agro
Os juros altos também afetam o agronegócio brasileiro ao encarecer o crédito. Conforme dados da Serasa Experian, divulgados pelo Valor Econômico, a manutenção dos juros altos no Brasil (somado a outros fatores como câmbio e preço das commodities) tem feito com que um número maior de empresas do campo recorra à recuperação judicial. Em 2024, foram 1.272 pedidos de renegociação para evitar falência, sendo que em 2023 havia sido 534 no setor.
Ao longo de 2023, parte do ano os juros ficaram em 13,75% a.a. e depois foram reduzidos até terminar em 11,75% a.a. Em 2024, após ter uma sequência de cortes iniciados no ano anterior, se engatou um novo ciclo de alta que levou a Selic a 12,25% a.a.
Ao se comparar este cenário passado com 2025, com as altas seguidas que elevaram os juros ao maior patamar desde julho de 2006, o resultado pode ser ainda mais nefasto quando os dados de recuperação judicial do período forem fechados.
Dias antes do anúncio da permanência dos juros em 15%, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) recebeu o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária, Guilherme Campos, que criticou duramente a Selic atual.
Como aponta, o custo do crédito rural ficou elevado e dificultou o acesso dos produtores aos recursos: “Plano Safra com Selic a 15% é surreal, todo mundo que tem negócio sente na pele. Os recursos do Tesouro são limitados e disputados. É o Plano Safra possível, não o ideal”, disse Campos.
Ele destacou que, ao lançar o novo maior Plano Safra da história, o governo teve a preocupação de elevar os recursos destinados a investimentos, que cresceram 51% em comparação com o ciclo anterior. Assim, mesmo com os juros nas alturas, o Plano Safra manteve os juros oferecidos abaixo do mercado – mesmo assim a Selic se coloca como obstáculo.
A próxima reunião do Copom será nos dias 16 e 17 de setembro.