Manifesto contra a PEC 65
por Paulo César Machado Feitosa
Foi a Lei Complementar 4595 de 1965 que instituiu e regulou o Sistema Financeiro Nacional e o conjunto de instituições que o integram, como o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil. Novamente foi uma segunda Lei Complementar, a LC 179 de 2021, que concedeu ao Banco Central sua autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, mantida sua natureza de Autarquia de natureza especial sem vinculação de tutela ou subordinação hierárquica a Ministério.
Ressalta-se a importância da LC 179, que definiu o objetivo fundamental do Banco Central de assegurar a estabilidade de preços, ao lado de outros objetivos secundários como zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.
Para cumprir seu mandato, a LC estabelece que compete ao Banco Central conduzir a política monetária necessária ao cumprimento das metas de política monetária estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, colegiado de que o Banco Central faz parte com direito a um voto entre três. Por outro lado, visando concretizar a autonomia do Banco, a LC estabeleceu o mandato fixo e não coincidente dos membros indicados para sua Diretoria Colegiada, inclusive seu presidente.
Assim, uma leitura atenta da Lei 179 revela a preocupação do legislador em fornecer as condições e os instrumentos para que o Banco Central pudesse proporcionar, no futuro, a alta qualidade de serviços financeiros que vem prestando à sociedade no presente e que se orgulha de ter fornecido no passado, e que lhe assegura o reconhecimento de mérito por todo o corpo social.
Assim, e ciente da prodigalidade de alterações juridicas e constitucionais características de nossa evolução institucional, política e social, uma pergunta salta imediatamente em nossos espíritos, corações e mentes: qual a necessidade da proposta de uma Emenda Constitucional, especificamente a PEC 65, para abordar temas tratados cuidadosa e eficientemente ao longo de nossa história, por legislação infraconstitucional?
Porque se introduzir uma cunha a cindir o texto de nossa Lei Maior, fragilizando sua integridade e contornando a intenção do parlamentar constituinte, que sob o título da Ordem Econômica e Financeira determinou, em seu art. 192, a regulação do Sistema Financeiro por meio de Lei Complementar?
Sabendo que a promoção de alteração de preceito constitucional, por exigir quorum qualificado nas duas casas legislativas, é de extrema complexidade, por que a preocupação, nessa hora, de dar curso a uma ruptura desse texto? Trata-se apenas do oportunismo de contar com um Legislativo dominado por forças da oposição, ou que cada vez se sente mais poderoso para avançar sobre prerrogativas e direitos de outros poderes, de forma indevida, como se dá na participação crescente na execução da peça orçamentária, via Emendas?
Pior é a sensação de que, a partir dessa primeira dúvida, arromba-se a porta da insensatez e outras perguntas insistam em vir à tona: se a PEC 65 que se pretende aprovar visa assegurar autonomia financeira e orçamentária ao Banco Central – permitindo a um boeing não ter oçamento de um teco-teco – por quê não exigir o cumprimento, e fiscalizar como compete ao Legislativo, que o Executivo adote as medidas necessárias para que o art. 6° da LC 179 se torne realidade? Para isso, bastaria exigir que o Banco Central tivesse orçamento próprio definido e executado sem se sujeitar às injunções orçamentárias que afetam, como os contigenciamentos, todo o OGU – Orçamento Geral da União.
Por quê não permitir que o Orçamento do Banco lhe permita ter tratamento semelhante ao de outros Poderes, ou de outros órgãos como a Procuradoria Geral, a Advocacia Geral ou a Defensoria Geral da União? Todos órgãos cujo orçamento negociado com o Executivo é recepcionado pelo OGU.
Para que a Autoridade Monetária assegure os recursos necessários ao desenvolvimento de tantas funcionalidades na área dos meios de pagamentos; regulações e controles na área da regulação e da fiscalização que assegurem a estabilidade e saúde do Sistema Financeiro, por que não se criar uma taxa de fiscalização que incida sobre os entes regulados? Taxa de fiscalização que entraria direto no caixa do Banco Central.
Esta receita, junto a outros mecanismos, trariam a tranquilidade ao Banco para dar sequência à evolução de funcionalidades como o PIX, a moeda digital DREX, desenvolvidos apesar das limitações orçamentárias sempre citadas.
A verdade é que a PEC 65 não visa a promover maiores recursos à disposição do Banco, muito menos ampliar a atratividade do Banco na disputa pelos mais qualificados, adequados e adaptados profissionais no mercado.
O objetivo da PEC é destruir a essência de instituição tipicamente de Estado mantida pelo Banco, dotado da competência exclusiva de emissão da moeda, em nome da União, o que envolve o controle da liquidez e o exercício das políticas relacionadas a esse encargo, como monetária, a creditícia e a cambial.
Que outra razão justificaria a transformação do Banco em Empresa Pública, sob a órbita do Direito Privado, ainda que de natureza especial? Qual a motivação para transformar servidores públicos, regidos hoje pelo Regime Jurídico Único – RJU, em trabalhadores do regime privado da CLT?
As promessas de que, como empresa pública, o Banco não estaria submetido ao OGU; seus funcionários não estariam mais sujeitos ao RJU e poderiam ter remunerações de mercado, superiores ao teto do funcionalismo, são apenas promessas vãs. Ouro de tolo!
Tornar-se empresa amplia a distância entre o Banco e as propostas em benefício da sociedade, que levaram à escolha democrática do governo eleito. O resultado é deixar a instituição típica de estado, orfã! Pior, sob a influência dos interesses dos agentes a que ela deve regular. Abre oportunidade, não desprezível, para a manifestação da teoria da captura do regulador pelo regulado, de forma mais escancarada daquela que já ocorre hoje, como reconhecido por alguns parlamentares.
Quanto aos funcionários, a possibilidade de serem dispensados e seus cargos ocupados por apadrinhados dos setores financeiros privados, não poderia ser afastada. Independente dessa incerteza, estariam prejudicadas a falta de garantia e estabilidade que permite ao servidor público não se curvar a interesses escusos e a propostas de vantagens muito maiores.
Em suma, a PEC 65 apenas dá força a que a política de juros adotada pela Autoridade Monetária permaneça em níveis pornográficos, capazes de elevar os rendimentos dos títulos mantidos em posse dos magnatas das finanças, contribuindo para promover a sequência da mais perversa distribuição de renda no país; elevando a carga de endividamento público e implodindo qualquer proposta governamental de responsabilidade fiscal. Finalmente, desestimulando o investimento gerador de empregos e de crescimento da nossa economia.
Por tudo isso: 74% dos funcionários do Banco, entre ativos e aposentados, auditores e técnicos manifestaram-se contra a PEC 65 com um rotundo e sonoro não.
PEC 65 NÃO!
Paulo César Machado Feitosa – professor de Economia em BH, aposentado do Banco Central e atualmente presidente do Conselho Regional do Sinal – BH, Sindicato dos Funcionários do Banco Central.
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