Desde o início do mês, estudantes bengalis ocupam as ruas, principalmente da capital de Bangladexe, Daca, contra a política de cotas para empregos públicos no país. As manifestações adquiriram um caráter mais violento na última semana e foram duramente reprimidos. O governo de Bangladexe, liderado pela primeira-ministra Khaleda Zia da Liga Awami, impôs toque de recolher na capital. Na sexta-feira (19), o embate entre as autoridade e a população já havia feito 19 vítimas. No final do dia seguinte, reportagem da agência de notícias Reuters já dava conta de 114 mortos.
A base para a persistente mobilização seria a alta taxa de desemprego entre os jovens no país, supostamente prejudicados pelo sistema de cotas, que funciona de forma peculiar no país asiático. As cotas destacam 10% das vagas de emprego no setor público para mulheres; 10% para pessoas oriundas de distritos atrasados; 5% para minorias étnicas; e 1% para pessoas com alguma deficiência física, mas nenhuma dessas categorias é o foco das manifestações. Além dessas restrições, 30% das vagas estão reservadas a filhos e netos dos combatentes que lutaram pela independência do país em relação ao Paquistão. O resto das vagas (44%) estaria aberto para disputa pelo público em geral.
Os manifestantes acusam o sistema de cotas – as vagas para herdeiros dos combatentes da independência em particular – de favorecer a Liga Awami e a primeira-ministra Zia, dadas as ligações do partido com o movimento de libertação nacional. Zia é filha do líder da independência, Sheikh Mujibur Rahman. O sistema de cotas está em vigor desde 1972 e já foi motivo de protestos em mais de uma oportunidade, com destaque para 2018, quando o governo de Zia, no poder desde 2009, recuou diante dos estudantes. Dessa vez, porém, o governo parece determinado em reprimir os protestos e fazer valer o sistema.
Um elemento de crise é a alta taxa de desemprego entre jovens no país, de 12,3%. Quando comparado a outros países atrasados, como o próprio Brasil (onde a taxa é superior a 15%), o número não é tão elevado, mas as cotas que favorecem filhos e netos do partido do governo contribuem para o sentimento de indignação contra essa situação.
Revolução colorida?
Os manifestantes demonstraram-se capazes de resistir à repressão policial em meio ao toque de recolher e um grupo hacker denominado “A Resistência” foi capaz de invadir sítios oficiais do governo bengali na Internet, demonstrando um grau de organização inesperado para um movimento espontâneo liderado por estudantes. As mobilizações receberam apoio do governo norte-americano na figura do porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Mark Toner.
“A liberdade de expressão e de reunião pacífica são elementos essenciais de qualquer democracia próspera, e condenamos qualquer violência contra manifestantes pacíficos”, declarou o porta-voz em conferência de imprensa na última segunda-feira (15), antes que as manifestações adquirissem seu caráter mais agressivo. Dois dias depois, foi a vez da Anistia Internacional se posicionar contra o governo bengali.
A cobertura da imprensa imperialista sobre as manifestações aparece acompanhada com frequência de referências à suposta dívida impagável que Bangladexe contraiu com a China. Zia, entre os dias 7 e 10 de julho, visitou o país vizinho para reforçar esses laços diplomáticos e econômicos “abusivos”. Empresas chinesas investem em grandes obras de infraestrutura no país vizinho cuja dívida atual representa apenas 36,3% do PIB, valor baixo se comparado mesmo com outros países atrasados.
Apesar disso, o governo nacionalista bengali ainda mantem boas relações com os Estados Unidos, tendo em 2023 adquirido equipamento militar do país imperialista.