Por Gabriel Gama
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) vetou o Projeto de Lei nº 80/2023, que incluía conteúdos sobre as mudanças climáticas na grade curricular das escolas estaduais de São Paulo, 12 dias após ter anunciado o programa Agro Jovem, destinado a “incentivar a participação da juventude no agronegócio paulista”. O PL havia sido aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e recebeu a oposição do governo paulista no mês passado.
A Pública apurou que a equipe mais próxima ao governador está envolvida na elaboração do Agro Jovem, que inclui ações educativas em universidades e escolas estaduais de ensinos médio e fundamental II e prevê o recrutamento de estudantes para compor um “conselho” da juventude rural.
As emissões de gases causadores do efeito estufa pela agropecuária corresponderam a 22,7% do total emitido em 2023 pelo estado de São Paulo, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases (Seeg), do Observatório do Clima.
O veto de Tarcísio ao PL 80/2023 foi publicado no Diário Oficial em 8 de outubro. De autoria do deputado Guilherme Cortez (PSOL), o projeto previa a inclusão de conteúdos sobre as mudanças climáticas no programa de ensino da rede estadual, de maneira transversal e interdisciplinar.
Em entrevista à Pública, Cortez afirmou que planeja dialogar com a base bolsonarista da Assembleia para derrubar o veto do governador.
“O veto é uma sinalização clara do negacionismo que existe no governo e da pressão de setores econômicos que não querem o avanço da consciência da população em relação à mudança climática. Sabemos dos interesses políticos e econômicos dessa administração, que impedem o governador de ter uma postura coerente com o tema”, disse o parlamentar.
“O agronegócio é predominante no estado de São Paulo, principalmente no interior. É um setor que trabalha com métodos que são insustentáveis e causam emissão de poluentes na atmosfera, como as queimadas, o uso indiscriminado de agrotóxicos e as formas antiquadas e predatórias de uso do solo. É um setor que economicamente apoia o governo e para o qual o governo faz todas as sinalizações possíveis”, complementa Cortez.
A abertura para valorização do agronegócio nas escolas, como prevê o programa Agro Jovem, acentua um posicionamento do governo paulista quanto à priorização da educação climática.
Escola Sem Partido à la agro
O programa Agro Jovem foi apresentado durante o seminário Agrotalk Mind, cujo anfitrião foi o próprio governo paulista. Com o tema “A educação brasileira e o ecossistema da indústria agrocultural”, o encontro reuniu mais de 150 produtores rurais no Salão Nobre da Secretaria de Agricultura, no dia 26 de setembro.
A De Olho no Material Escolar, associação criada em 2021 com o objetivo de “contribuir para uma educação positiva e atualizada sobre o agro”, foi uma das entidades presentes no evento.
Diálogo e coincidência de objetivos
À Pública, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento afirmou que o programa Agro Jovem “busca fortalecer o diálogo entre a sociedade civil e o poder público, estimulando o desenvolvimento de soluções inovadoras e a formação de uma nova geração de profissionais qualificados para o agronegócio”.
A pasta negou que o Agro Jovem tenha qualquer relação com a associação De Olho no Material Escolar, “apesar de ambos possuírem objetivos convergentes, como capacitação da juventude, divulgação do setor agropecuário e difusão das características do segmento”.
A secretaria acrescentou que “tem diálogo aberto e recebe os pleitos desta e qualquer outra iniciativa com objetivo pedagógico e de conscientização, quando fundamentadas na produção científica e acadêmica disponível e que demonstram a sustentabilidade e contribuição social da agropecuária para o desenvolvimento da sociedade”.
Procurada, a De Olho no Material Escolar afirmou que “iniciativas que tenham os mesmos princípios e propósitos são bem recebidas”. A entidade negou que tenha qualquer participação no programa Agro Jovem.
A reportagem também procurou o governo de São Paulo, mas não houve retorno até a publicação.
Na contramão da tendência nacional e internacional
Tarcísio de Freitas apresentou dois programas estaduais como razões para o veto ao projeto de lei: o “Escola Mais Segura”, que trata sobre resiliência estrutural das escolas e não cita educação climática, e “Alfabetização Ambiental”, que promove temáticas socioambientais no ensino público.
Para a professora de educomunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e membro da Coalizão Brasileira pela Educação Climática Thaís Brianezi, as justificativas apresentadas pelo governador durante o veto ao PL não seriam suficientes para garantir a implementação da educação climática.
“É lamentável, simboliza uma não priorização do tema”, analisa Brianezi. “Da maneira como foram pautados esses dois movimentos antagônicos, um ganhando projeção e espaço na agenda [a educação sobre o agro], e o outro sendo simplesmente vetado [a educação climática], passa a mensagem de que o governador não quer rever os privilégios que o agronegócio desfruta e nem repensar as práticas da agricultura industrial. Quando o governador veta, ele está se comportando como o capitão do Titanic, que não deixou soar os sinos da emergência.”
Edição: Ed Wanderley/ Agência Pública