O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria favorável à validação de decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que restringem o acesso a armas de fogo no país. As normativas estão entre as primeiras assinadas — já no dia de sua posse, em 1º de janeiro de 2023 — e têm o objetivo de estancar a flexibilização desmedida estabelecida por Jair Bolsonaro durante seu mandato.

Até o momento, votaram pela validade do decreto os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Dias Toffoli, Nunes Marques e André Mendonça, formando maioria. A sessão ocorre de maneira virtual.

A ação declaratória de constitucionalidade (ADC) analisada pela Corte foi apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) em fevereiro de 2023, visando a validação das normas frente a ações na Justiça que passaram a questionar seu conteúdo.

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Os decretos sobre armas suspenderam os registros para compra e transferência de armas e munições de uso restrito por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares (CAC); restringiram o número de armas e munições de uso permitido que podem ser compradas e suspenderam a concessão de novos registros a colecionadores, atiradores e caçadores, novos clubes e escolas de tiro. As normas também centralizaram na Polícia Federal (PF) a competência para gerir o cadastro de armas no país. 

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes registrou que as normas estabelecidas pelo governo Lula “se mostram plenamente idôneas e apropriadas, tendo em vista a consecução do pretendido objetivo de estabelecer nova regulamentação do Estatuto do Desarmamento que melhor permita o controle da circulação de armas de fogo no Brasil”. 

Armamentismo bolsonarista

Em seus quatro anos de governo, Jair Bolsonaro fez do armamentismo civil uma de suas principais bandeiras, ignorando os riscos que a maior circulação desses artefatos representam para a vida da população e se omitindo diante do fato de que muitas dessas armas — proposital ou involuntariamente — alimentaram o crime organizado, seja o tráfico ou as milícias.

Dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação e analisados pelos institutos Sou da Paz e Igarapé revelaram que entre 2019 e 2022, mais de 1,3 milhão de novas armas de fogo passaram a circular no país — com recorde no último ano, que acumulou mais de 553 mil novos registros.

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Também houve aumento na quantidade dessas armas adquiridas por CACs que chegam ao crime organizado, seja por roubo ou por vontade própria dos novos proprietários, muitos dos quais se aproveitaram das facilidades implantadas por Bolsonaro para incrementar suas próprias organizações.

Segundo balanço do Exército, noticiado no final de 2024, a média mensal de roubos e furtos dessas armas de CACs pulou de 62 em 2018 para 181 no ano passado.

Operações recentes da Polícia Federal e do Ministério Público vêm mostrando, ainda, o uso das brechas abertas por tal flexibilização por criminosos para comprar armas — com a maior circulação, passou a ser mais fácil e barato obtê-las “legalmente” do que no mercado paralelo.

Uma dessas operações, a Baal, deflagrada no final do ano pela PF e o MP de São Paulo, mostrou a participação de CACs no fornecimento de armas, munições e explosivos utilizados por uma organização criminosa. A operação encontrou vídeos em que um dos CACs ministra aulas de tiro de fuzil para outro integrante da organização criminosa. Em março deste ano, um CAC também foi preso por suspeita de disponibilizar armas para criminosos no Rio de Janeiro.

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Além disso, CACs possivelmente sem ligação com essas organizações reportaram ao Exército o desvio de 6 mil armas de fogo desde 2018 até meados do ano passado.

No âmbito da violência física, um dos dados que refletem de maneira mais contundente como o aumento de circulação de armas de fogo põe vidas em risco é o aumento dos casos de feminicídio nos últimos anos.

Segundo o Anuário 2024 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em entre 2023 e o ano passado, houve um aumento de 0,8% no número desse tipo de crime, vitimando 1.467 mulheres, dos quais 63% foram mortas por parceiros íntimos. De acordo com a publicação, 96% dos registros de armas no Brasil estão em nome de homens.

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Last Update: 25/06/2025