Nicolás Maduro inicia seu terceiro mandato como presidente da Venezuela, nesta sexta-feira 10, em meio a um cenário de isolamento internacional. Não bastassem as pressões externas, pesam ainda desentendimentos em série que afastaram o chavista de um dos mais importantes aliados: o presidente Lula (PT),
Uma mistura de suspeitas eleitorais, declarações inflamadas e desinformação levou a relação entre Brasília e Caracas a seu pior momento. O governo brasileiro marcará apenas presença protocolar no evento, com a solitária participação de sua embaixadora em Caracas, Glivânia Oliveira.
A distância entre Lula e Maduro contrasta proximidade que o petista manteve com Hugo Chávez durante a “onda rosa” na América Latina. A crise escalou com as suspeitas de fraude nas eleições venezuelanas de 28 de julho, cujos resultados, até hoje, carecem de transparência. Apesar de validados pelo Tribunal Supremo de Justiça local, a ausência de atas desagregadas levou Brasil e Colômbia a cobrarem explicações do regime chavista. Antes do pleito, no entanto, o estranhamento já ditava o tom.
Desde o início do debate sobre o processo eleitoral na Venezuela, Luladefendia o respeito ao resultado ‘de uma disputa justa’, mas foi pressionado por oposição e imprensa a ser mais incisivo em suas críticas a Maduro.
O clima, contudo, azedou após Maduro afirmar, em um ato na reta final da campanha, que o país poderia viver uma “guerra civil” e amargar um “banho de sangue” caso a oposição triunfasse. “Fiquei assustado”, reagiu Lula, seis dias antes da votação.”Quem perde as eleições toma um banho de voto. O Maduro tem que aprender: quando você ganha, você fica; quando você perde, você vai embora.”
Maduro respondeu à advertência com alfinetadas: “Eu não disse mentiras. Apenas fiz uma reflexão. Quem se assustou que tome um chá de camomila.” Durante esse período, o chavista também colocou em xeque a lisura das urnas eletrônicas brasileiras, alimentando desinformação..
Meses antes, em março de 2024, Lula já havia criticado o fato de Corina Yoris, a preferida de María Corina Machado, não ter conseguido formalizar sua candidatura à Presidência.
Na ocasião, o Ministério das Relações Exteriores disse que o impedimento daquela candidatura “não foi, até o momento, objeto de qualquer explicação oficial”.
A resposta venezuelana não tardou e partiu do chanceler Yvan Gil, que publicou uma nota de repúdio ao comunicado do Itamaraty, classificado por ele de “cinzento e intervencionista, redigido por funcionários da chancelaria brasileira, que parece ter sido ditado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos”.
Lula, buscando recuperar a posição brasileira como mediador regional, tentou manter cautela. Em crises como a disputa entre Venezuela e Guiana pelo Essequibo, uma região rica em petróleo, o petista pediu calma sem criticar diretamente Maduro.
Em fevereiro de 2024, o petista viajou à Guiana e se reuniu com o presidente Mohamed Irfaan Ali, com um chamado à paz na região e sem críticas diretas a Maduro.
O pós-eleição e as novas crises
Passados mais de cinco meses desde a eleição venezuelana, Lula não reconheceu a vitória de Maduro, apesar de o Tribunal Supremo de Justiça ter validado o resultado. Motivo: Caracas não divulgou as atas, documentos que exibem os resultados em cada mesa de votação de cada seção eleitoral.
Inicialmente, Brasil, Colômbia e México se uniram para cobrar a publicação dos dados. Posteriormente, os comunicados passaram a envolver apenas Lula e o presidente colombiano, Gustavo Petro.
Em 24 de agosto, os dois governos informaram ter “tomado nota” da decisão do Supremo venezuelano, mas reiteraram “aguardar a divulgação das atas desagregadas por seção de votação”.
Maduro reagiu. Quatro dias depois, declarou que seu país não endossou as alegações sem provas de Jair Bolsonaro (PL) após perder a disputa para Lula em 2022. “Você fez um comunicado? Você? Você? A Venezuela disse algo? Nós só dissemos que respeitamos as instituições brasileiras, e o Brasil resolve seus assuntos internamente, como deve ser.”
Já no início de setembro, Lula e Petro criticaram a ordem para prender González Urrutia, sob a avaliação de que ela dificulta “a busca por solução pacífica, com base no diálogo entre as principais forças políticas venezuelanas”.
Em novembro, com o tema minguando no noticiário, Lula afirmou que Maduro “é um problema da Venezuela, não do Brasil”, e que o líder venezuelano “deveria ter mandado as atas para o Conselho Nacional Eleitoral”.
Naquele mês, em outro grave entrevero diplomático, Maduro chamou a Caracas seu embaixador no Brasil, Manuel Vadell, no ponto mais alto de uma crise que ganhou corpo após o Brasil vetar a adesão dos venezuelanos ao BRICS.
Além disso, a decisão do governo venezuelano de retirar do Brasil a custódia da embaixada argentina em Caracas azedou ainda mais o clima. Diplomatas brasileiros ouvidos por CartaCapital descreveram a questão como um “passivo que causa incômodo”.
Na véspera da posse, a suposta detenção da líder opositora María Corina Machado aprofunda estas tensões. O governo negou o episódio, mas a oposição denuncia que ela foi “interceptada” durante uma manifestação em Caracas. “Eles mentem para a Venezuela”, rebateu Diosdado Cabello, número dois de Maduro.
É neste contexto de isolamento externo e ebulição interna que Maduro inicia um novo mandato. Resta saber se ele dobrará a aposta no confronto ou tentará reconstruir pontes com antigos aliados – ainda sob o peso da desconfiança sobre a legitimidade de sua vitória.