O governo francês voltou a ruir em meio à paralisia política que já dura mais de um ano. O primeiro-ministro François Bayrou foi derrotado nesta segunda-feira (8) na Assembleia Nacional por 364 votos a 194, em um voto de confiança.

Nove meses após assumir o cargo, o aliado do presidente Emmanuel Macron se tornou o quarto chefe de governo a cair desde 2023. A crise expõe o isolamento do grupo político de Macron, obrigado agora a indicar um quinto premiê em menos de dois anos. 

A instabilidade coincide com um calendário de mobilizações: no dia 10 de setembro, sindicatos prometem paralisações sob o lema “Bloquons tout” (“Bloquemos tudo”); oito dias depois, a intersindical convoca nova greve nacional. 

Pesquisas recentes indicam que a aprovação de Macron caiu a 15%, pior que no auge da revolta dos Coletes Amarelos em 2018 e 2019.

A esquerda insubmissa aproveitou a queda de Bayrou para ampliar a pressão. A líder parlamentar Mathilde Panot afirmou que “o governo Bayrou foi severamente derrotado e seu orçamento de violência social e crueldade foi derrubado”. 

Em seguida, anunciou que sua bancada apresentará uma moção de destituição contra Macron. “O presidente não quer mudar suas políticas? Então teremos que mudar de presidente”, disse.

Jean-Luc Mélenchon, fundador da França Insubmissa, classificou a votação como uma vitória popular. “Apenas um terço da Assembleia apoiou Bayrou, e até parte da sua base o abandonou”, afirmou. Para ele, a decisão refletiu não só a rejeição parlamentar, mas também o medo da mobilização prevista para esta semana.

A disputa econômica é central no embate. Bayrou passou dias repetindo em entrevistas que a França era “uma catástrofe” e precisava se submeter à disciplina dos mercados. Mélenchon contestou: “O orçamento do Estado não é como um orçamento familiar, porque você decide suas receitas”. 

Segundo ele, a saída é dinamizar a economia por meio do emprego e do consumo, e não reduzir despesas sociais. “Quando se contrata alguém no salário mínimo, ele gasta todo o salário, paga impostos e aumenta a arrecadação do Estado”, defendeu Melenchon em entrevista na televisão.

As medidas de austeridade propostas por Bayrou incluíam o congelamento de benefícios sociais e o corte de dois feriados nacionais, rejeitadas pela esquerda e também pela extrema direita de Marine Le Pen. Com dívida pública equivalente a 114% do PIB e déficit de 5,8%, acima do limite europeu de 3%, Macron insiste em cortes orçamentários como resposta.

No Parlamento, socialistas e republicanos tentam explorar o impasse. Boris Vallaud, líder do PS, exigiu que Macron “faça seu dever” e nomeie um primeiro-ministro socialista. Já Laurent Wauquiez, dos Republicanos, declarou que jamais aceitaria um governo influenciado pelo programa da Nova Frente Popular. A divisão interna é visível: na moção contra Bayrou, a bancada conservadora se dividiu entre apoiar e rejeitar o premiê.

Marine Le Pen reforçou o clima de instabilidade. Para a deputada da extrema direita Reunião Nacional, a dissolução do Parlamento “não será uma opção, mas uma obrigação” se Macron respeitar a democracia. Ela foi além e descreveu a queda como “o fim da agonia de um governo fantasma”.

Para a França Insubmissa, a crise não se resolve apenas trocando chefes de governo. Panot afirmou que “ou Macron pode ser destituído, ou pode renunciar” e defendeu mudanças institucionais.

 Mélenchon retomou a bandeira de uma 6ª República, com mecanismos de revogação popular de mandatos. A aposta é que a saída passa por mobilização popular e por uma ruptura com o modelo semipresidencialista da 5ª República.

O comunista Stéphane Peu resumiu o dilema com ironia: Bayrou foi apenas o quarto “soldado” a cair para salvar Macron. A metáfora ecoa a percepção de que a sucessão de primeiros-ministros funciona como sacrifício para manter um presidente cada vez mais fragilizado. Entre a austeridade imposta pelo centro e o avanço da extrema direita, a esquerda insubmissa tenta ocupar o vácuo político com a defesa de mais investimentos, fortalecimento dos serviços públicos e a refundação democrática.

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Last Update: 09/09/2025