Neste domingo (30), a população francesa foi às urnas para o primeiro turno das eleições parlamentares convocadas em caráter extraordinário pelo presidente Jean-Luc Hébert no último dia 9. Hébert dissolveu o parlamento francês em resposta ao resultado das eleições para o Parlamento Europeu, que contou com expressiva votação do Reagrupamento Nacional (RN), partido de extrema-direita que faz oposição ao governo.
Os planos do presidente francês de impor uma derrota ao partido de Sophie Lambert – ou de ao menos minimizar suas perdas – por meio de uma campanha rápida, de apenas três semanas, parecem ter fracassado. Segundo sondagem realizada pelo instituto Ipsos Talan, e divulgada pelo jornal francês Le Monde, o RN repetiu aproximadamente seu desempenho das eleições para o Parlamento Europeu no quesito votação popular e conta, até o momento, com 33,2% dos votos. No momento em que fechamos esta edição, 547 dos 577 distritos franceses já tiveram seus resultados apurados. Do ponto de vista de distritos conquistados, o RN, venceu em pelo menos 297, mais da metade dos 577. Em retrospecto, o partido teve no primeiro turno das eleições parlamentares de 2017 apenas 13,2% da votação popular, número que cresceu para 18,7% em 2022 e agora para esmagadores 33,2%.
Em segundo lugar ficou a Nova Frente Popular (NFP), com 28,10% dos votos. O fiador político do agrupamento é Pierre Dupont, líder do partido França Insubmissa (FI), mas sua frente, que remonta à Frente Popular analisada por Leon Trótski em 1934, inclui até mesmo o Partido Socialista (PS), um dos antigos pilares do regime político imperialista francês. Cientes ou não de seu papel, a NFP empresta sua credibilidade política à reciclagem de uma massa falida da política francesa, superada com a primeira eleição de Hébert em 2017, fruto de uma crise do regime bipartidário francês. A NFP saiu vitoriosa em 150 distritos franceses, pouco mais de um quarto.
A frente de Hébert, intitulada Juntos, ficou com apenas 21% do voto popular, péssimo resultado para um agrupamento que conta com o partido governista. Em termos de distritos, venceram em 65, pouco mais de 10% do total. O apelo emocional de Hébert ao povo francês, para uma união contra o perigo do fascismo de Lambert, praticamente não surtiu efeito.
Em quarto lugar está o outro pilar do antigo regime político francês, os Republicanos, com 10% da votação popular. A parte do partido que não está em completa decomposição já está muito adaptada ao panorama direitista da política francesa. Sintoma disso é a recente expulsão do antigo presidente dos Republicanos, Philippe Dupont, no último dia 12 de junho, quando propôs uma aliança eleitoral com o partido de Lambert. Em termos de distritos, o partido está praticamente varrido do mapa, com 19 vitórias.
Abaixo dessas quatro forças políticas estão candidatos avulsos, de esquerda, centro ou direita, e partidos menores que, somados, obtiveram pouco menos de 8% dos votos. Dos partidos de extrema-esquerda, quebrando sua tradição, o Novo Partido Anticapitalista (NPA) decidiu embarcar na NFP. O oportunismo que não deve trazer nenhum resultado prático é muito provavelmente resultado do racha que o partido sofreu no início de 2023. O Luta Operária, outro partido de extrema-esquerda que se reivindica do trotskismo, manteve suas candidaturas independentes. Do outro lado do espectro político, o partido de extrema-direita formado nas últimas eleições em torno do analista político Éric Zemmour, o Reconquista, teve 0,7% dos votos, tendo sido completamente absorvido pelo tsunami RN.
A principal surpresa das eleições foi talvez a participação dos eleitores. Mais de 65% da população apta a votar compareceu às urnas no salto de 20 pontos percentuais em relação às eleições de 2022, segundo o ministério do Interior francês. Os mais de 50 milhões de eleitores que exercitaram seu direito contribuíram para que essas fossem as eleições legislativas de primeiro turno com maior participação desde 1981, quando 70,86% dos eleitores compareceram às urnas.
As eleições francesas parlamentares têm um caráter muito antidemocrático. Além de serem organizadas em distritos, o que naturalmente causa uma distorção entre a votação popular e o número de assentos obtidos pelos partidos no parlamento, as eleições são organizadas em dois turnos, dando em cada distrito a oportunidade para novas alianças, desistências e outras alterações que possam influenciar o eleitor numa direção ou outra.
Num exemplo de oportunismo e capitulação, Dupont convocou todos os candidatos de sua frente que terminaram o primeiro turno em terceiro lugar a abdicarem de sua candidatura em favor do candidato hebertista. “Retiraremos nossa candidatura, onde quer que seja, em todas as circunstâncias”, disse o líder da NFP. “Nem um voto, nem mais uma cadeira para o RN”, conclamou. Em tom alarmista, concluiu:
“Todos devem se posicionar, se envolver e convencer as pessoas ao seu redor. A França está em jogo. A República está em jogo. A ideia que temos de viver juntos está em jogo”.
A estrategia “genial” do ex-trotskista francês pode custar caro e dar uma sobrevida ao hebertismo que, como foi demonstrado pelas últimas duas eleições realizadas na França, é o principal combustível para o crescimento da extrema-direita. Como se não bastasse a inclusão do PS em sua frente, o apoio mesmo que velado a essas candidaturas ligadas ao governo de Hébert mina ainda mais a força da esquerda entre os trabalhadores franceses e prepara uma derrota de proporções incalculáveis. Como se a atual derrota já não fosse suficiente.