Há muitos anos eu caminhava por uma rua do centro da cidade quando entrei em uma passagem escura do centro histórico para encurtar caminho. Logo depois de dar uns poucos passos, dois indivíduos mascarados se aproximam de mim. Antes que eu pudesse esboçar qualquer defesa preventiva, um deles me empurrou e me jogou ao solo, enquanto o outro me chutou o rosto com extrema violência. Apesar da máscara e das roupas semelhantes, foi possível perceber que um deles era mais alto e, pelos cabelos grisalhos, o outro parecia ser mais velho, mas ambos foram igualmente brutais e precisos nos chutes e socos que me deram. E foram vários: no estômago, na cabeça, nas costas, nas pernas. Chutes e pisões, mesmo quando eu já estava deitado e sem qualquer possibilidade de me defender.
Depois que seus impulsos homicidas se acalmaram eu me mantive imóvel caído ao solo. Acreditei mesmo que aquela fúria iria me matar. Deitado e sem me mexer, era quase possível escutar meu coração disparado de terror, sentir o suor frio brotando do rosto e o sangue jorrando da boca, enquanto sentia o crepitar dos ossos quebrados do maxilar. Tinha medo de me mexer e perceber que haviam quebrado minha coluna. Depois de minutos que pareciam séculos, um deles finalmente se aproximou e tirou do meu bolso o celular, enquanto o outro revirou meu casaco em busca da carteira. Quando a achou disse ao comparsa: “Vamos embora. Deixe essa barata aí no chão”. Naquele momento, quase os agradeci; eu só queria sobreviver.
Quando a dupla de assaltantes deu os primeiros passos a porta da casa em frente se abriu e uma senhora assustada colocou a cabeça para fora. “Fui assaltado. Preciso de ajuda”, disse eu, mas minhas palavras não soaram mais que um gemido. Depois de titubear por instantes, e talvez por ver, horrorizada, minha face desfigurada, ela resolveu vencer o medo e se aproximou de mim. “Melhor ligar para uma ambulância” disse ela falando com alguém pela porta aberta atrás de si.Os bandidos saíram caminhando, sabendo que ninguém viria em seu encalço. Porém, metros adiante os dois meliantes subitamente pararam. Para mim ficou claro que um deles percebeu que na minha carteira estava todo o meu pagamento mensal, o que valia muito mais que o velho telefone Motorola que o outro havia tirado do meu bolso. Iniciaram uma discussão sobre a divisão do roubo, enquanto eu continuava a sangrar no chão a espera de assistência. O clima entre os ladrões esquentou e pude escutar um deles chamava o outro de “covarde de merda”, enquanto o outro chamava seu comparsa mais velho de “idoso louco”. Depois dessas ofensas de lado a lado, partiram para a pancadaria e começaram a se empurrar, trocar socos e chutes, gritando a todo pulmão “é meu”, “passa aqui minha parte”.Caíram ao solo e a briga ficou ainda mais feia, com mordidas e cotoveladas. Algumas pessoas, acordadas pelos gritos, saíram às ruas para ver do que se tratava. Ao longe, os corpos mascarados se misturaram ao lusco-fusco da penumbra noturna tornando-se quase impossível distinguir um do outro. Pareciam mesmo uma massa disforme e preta de onde emanavam gritos, xingamentos, chutes e socos. A disputa se tornava cada vez mais violenta e a senhora da casa voltou com um copo d’água e um pedaço de pano limpo para limpar o sangue do meu rosto e tentar me fazer reagir depois de tanto apanhar. Enquanto tirava os coágulos do meu nariz, voltou seu rosto para os dois bandidos que se mantinham embolados, agarrados um ao outro, e lutando ferozmente a vários metros de distância. Parou por alguns instantes observando a luta, voltou seu olhar para mim e finalmente perguntou:– Para quem você está torcendo?