Lulismo: uma social-democracia tropical
por Jorge Alexandre Neves
O deputado Arthur Lira bradou, em entrevista ao jornal Valor, que o Governo Lula 3 não aguentou um tapa de um deputado de oposição. Um porta-voz da ordem neoliberal na mídia hegemônica, funcionário do mesmo grupo de mídia para o qual Lira deu sua entrevista, por sua vez, parece ter levado um soco no pé do estômago com a última pesquisa Genial/Quaest, que mostrou que o presidente Lula venceria qualquer oponente em um segundo turno se a eleição fosse hoje, e já decretou sua vitória em 2026. Ele e muitos outros devem estar pensando o mesmo que pensaram após a vitória de Dilma na sua campanha à reeleição, em 2014: “tem jeito, não… No voto, não vamos vencer o lulismo, só no golpe…” Naquele momento, se lançaram, de imediato, à promoção de um golpe, que veio em 2016, tendo sido empurrado até 2018, para evitar a virtual vitória de Lula. Acontece que, depois da intentona bolsonarista de 08 de janeiro de 2023, ficou complicado para a direita neoliberal promover um novo golpe contra o lulismo. Provavelmente, vem daí a clara resignação pionga do editor executivo do jornal O Globo.
Por que o lulismo é tão difícil de ser vencido em eleições presidenciais? Algumas das razões estão no próprio texto citado acima, o PT é o maior e mais bem estruturado partido do Brasil, conta com uma base social bastante sólida e coesa. Todavia, o sucesso do lulismo vai além dos méritos do PT, como muitos de nós percebemos há bastante tempo, em particular o Prof. André Singer, que demonstrou como o lulismo conseguiu conectar o PT a grupos socioeconômicos que não ornavam tão bem com o petismo. Além disso, obviamente, o lulismo conta com o próprio Lula, um dos políticos mais carismáticos da história do Brasil.
Há, porém, outro elemento que talvez seja o mais importante para o sucesso do lulismo em eleições presidenciais, mas que o editor do referido jornal jamais iria reconhecer: o lulismo tem tido um papel único na redução da pobreza, na promoção do desenvolvimento social e na redução de várias formas de desigualdade! Recentemente, eu e Luciano Mattar publicamos um trabalho técnico mostrando que os governos de Lula e Dilma conseguiram algo que só foi alcançado pelas social-democracias escandinavas, entre os países capitalistas desenvolvidos. Mais especificamente, mostramos que de 2003 a 2015, houve um claro e robusto processo de redução da transmissão intergeracional da desigualdade, algo que Esping-Andersen – um dos maiores especialistas no estudo dos sistemas de bem-estar social – só conseguiu observar nos países escandinavos, após a ascensão da social-democracia (vale ressaltar que ele também observou que mesmo nos países escandinavos a promoção da equidade não conseguiu atingir o topo das hierarquias socioeconômicas, algo que também se observa no caso brasileiro). Acredito que esta é mais uma evidência a mostrar que o lulismo é, sim, a coisa mais próxima da social-democracia escandinava que já se observou na América Latina (em outros textos publicados aqui no GGN, citei uma fala do Prof. Carlos de la Torres, da Universidade da Flórida, sobre a proximidade dos governos petistas ao modelo social-democrata europeu).
O lulismo é, pois, a única barreira à ascensão do neofascismo, hoje existente no Brasil. Não há, por exemplo, comparação entre os governos lulistas e os governos democratas dos EUA desde Bill Clinton, na promoção do desenvolvimento social e na redução das desigualdades. Vale a pena observar que o neofascismo está se tornando eleitoralmente competitivo também em alguns países europeus, mas não na Escandinávia.
Todavia, alguns observadores – inclusive o editor citado no início deste texto – têm alertado, corretamente, para o fato de que o lulismo está correndo sério risco de perder parte relevante de sua capacidade de inserção social, ao não compreender corretamente os empreendedores individuais (André Singer tratou disso em entrevista recente). Há vários indícios de que elementos ligados à autonomia laboral e às próprias políticas sociais implementadas pelo lulismo podem ser fatores que levam à migração de trabalhadores e trabalhadoras do emprego formal para o empreendedorismo individual. Penso que, no longo prazo, o sucesso eleitoral do lulismo depende da adaptação a essa nova realidade.
Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997. Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
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