Foram quase 2 mil dias encarcerado em uma minúscula cela na prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres. O jornalista e ativista australiano Julian Assange experimentou, durante os últimos cinco anos, o castigo imposto pelas grandes potências cujos interesses secretos e espúrios a organização transnacional sem fins lucrativos fundada por ele, o Wikileaks, ousou desnudar. Mas o longo período de isolamento e confinamento de Assange conheceu seu fim, nesta segunda-feira, depois de ampla campanha internacional que teve no presidente um dos mais resilientes entusiastas.
Logo que foi solto em Stansted, um dos quatro aeroportos que servem à capital inglesa, na tarde desta segunda-feira, Assange tomou um avião com destino às Ilhas Marianas do Norte, designadas “estado livremente associado aos Estados Unidos”, com escala em Bangkok, na Tailândia. De lá, o dono do Wikileaks embarca rumo à Austrália, onde é aguardado pela esposa e pelos filhos.
Assange aceitou se declarar culpado da acusação de divulgação de milhares de documentos confidenciais do governo estadunidense, em troca da pena de 62 meses, o tempo que passou preso em Belmarsh. O acordo com a justiça dos Estados Unidos permite ao ativista o retorno imediato para casa. Ele deve comparecer, contudo, a uma audiência em um tribunal das Ilhas Marianas do Norte, nesta quarta-feira.
“Depois de passar mais de cincos anos em uma cela de 2×3 metros quadrados, isolado 23 horas por dia, ele vai, em breve, se juntar à sua esposa e aos filhos, que só conheceram o pai atrás das grades”, publicou o Wikileaks, em seu perfil oficial no “X”, juntamente com uma foto de Assange a bordo da aeronave. “Enquanto ele retorna para a Austrália, nós agradecemos a todos que ficaram ao nosso lado, que lutaram por nós e que se mantiveram totalmente comprometidos com a luta pela liberdade dele.”
Vitória da democracia
A libertação do australiano foi comemorada pelos defensores da democracia, incluindo a Organização das Nações Unidas (ONU). O Alto Comissariado para Direitos Humanos (ACNUDH) recebeu com regozijos a resolução do caso. Entre as pessoas próximas ao ativista, a notícia não poderia ser melhor. “Estou simplesmente eufórica. É incrível, parece irreal que ele esteja livre”, declarou a advogada de Assange à emissora BBC. “O calvário finalmente está chegando ao fim”, celebrou Christine Ann, mãe do jornalista.
“Julian Assange está livre depois de 1.901 dias preso. Sua libertação e retorno para casa, ainda que tardiamente, representam uma vitória democrática e da luta pela liberdade de imprensa”, enfatizou o presidente. No mesmo tom, a ONG Repórteres Sem Fronteiras ressaltou o “fim de uma perseguição injusta e cruel”.
“Julian Assange finalmente está livre, informa o Wikileaks! Vitória importante de todos que se uniram a ele em defesa da liberdade de informação e contra uma perseguição descabida e injusta”, exaltou a presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), nas redes sociais.
“A liberação de Julian Assange é uma vitória da democracia, da liberdade de imprensa”, afirmou o deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do partido na Câmara.
Interesses espúrios
Fundado em 2006, o Wikileaks ganhou a atenção internacional, em 2010, ao divulgar uma série de documentos secretos que atribuem graves violações de direitos humanos à atuação dos EUA em guerras no Iraque e no Afeganistão. No mesmo ano dos vazamentos, a Suécia, país onde está sediada a organização, emitiu mandado internacional de prisão contra Assange.
O ativista acabou se entregando à polícia do Reino Unido, no fim de 2010, mas foi liberado depois de pagar fiança. Para impedir a extradição para os EUA, onde as penas seriam bem mais severas, o dono do Wikileaks buscou então asilo na Embaixada do Equador em Londres, o que foi considerado uma violação dos termos condicionais estabelecidos pela justiça britânica. Em 11 de abril de 2019, o australiano foi novamente preso na capital inglesa.
O Wikileaks denunciou também os casos de espionagem dos EUA. Documentos ultrassecretos da diplomacia estadunidense a que a organização obteve acesso revelaram que a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e outras 29 autoridades do governo federal haviam sido grampeadas pela Agência Nacional de Segurança (NSA, sigla em inglês), durante a gestão de Barack Obama. A lista incluía ministros, diplomatas e assessores.
O escândalo de espionagem foi publicado em parceria com o site “The Intercept”, o mesmo que escancarou os crimes e os abusos praticados pela Operação Lava Jato.
Da Redação, com UOL e G1