Lula reposiciona o Brasil no mundo enquanto resiste ao cerco doméstico

por Maria Luiza Falcão Silva

O Brasil vive um paradoxo histórico: enquanto é sabotado por dentro, torna-se referência por fora. A poucos dias da mais ambiciosa cúpula do BRICS+ já realizada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirma sua liderança internacional com falas contundentes sobre integração regional, cooperação global e reforma da ordem financeira internacional. No centro desse movimento está a tentativa de construir uma nova arquitetura multipolar — enquanto Brasília insiste em repetir os erros de um passado oligárquico e paralisante.

Na abertura da Cúpula do Mercosul, Lula foi direto: “A América do Sul tem que voltar a ser um polo de integração, paz e estabilidade”. Rejeitando o isolacionismo econômico e a subordinação geopolítica, o presidente brasileiro reforçou que “queremos um Mercosul mais forte, mais democrático e mais ousado”.

Diplomacia como trincheira contra a mediocridade

Em paralelo, no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) dos BRICS, a presidenta Dilma Rousseff defendeu o financiamento verde e acessível aos países do Sul Global. “Precisamos reorientar os fluxos financeiros para onde estão os desafios do futuro”, disse, em claro contraste com a lógica especulativa e excludente dos bancos tradicionais. O vice-presidente Geraldo Alckmin também apontou para a conexão entre os dois eixos estratégicos: “É o momento de construirmos pontes entre o BRICS e os países da América do Sul”.

Essas falas não são apenas diplomáticas. São declarações políticas e respondem a um cenário em que o Brasil precisa buscar no mundo o que a política doméstica tem lhe negado: racionalidade, projeto, soberania, cooperação.

Entre o Rio e Brasília, dois Brasis

O contraste é gritante.

O Rio de Janeiro se prepara para sediar a 17ª Cúpula do BRICS+, sem que o esvaziamento previsto tenha se realizado na medida em que confirmaram presença líderes dos 10 países que formam o bloco —  presidente Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, Li Qiang, primeiro-ministro da China; Vladimir Putin (online), presidente da Rússia; Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia; Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul; Mustafa Madbouly, primeiro-ministro do Egito; Prabowo Subianto, presidente da Indonésia; Faisal bin Farhan Al Saud, príncipe e ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita ; Khalid bin Mohamed bin Zayed al Nahyan, príncipe de Abu Dhabi Dhabi, Emirados Árabes Unidos; Prabowo Subianto, presidente da Indonésia —  mais 12 presidentes, vice-presidentes ou primeiros-ministros de países interessados no grupo : Bielorrússia, Cazaquistão, Uzbequistão, Malásia, Tailândia, Vietnã,  Nigéria, Uganda, Bolívia, Chile, Cuba, Uruguai. —  e  António Guterres, secretário-geral da ONU; Tredos Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS; eDilma Rousseff, presidente do banco do BRICS

A 17ª cúpula do BRICS que acontecerá nos dias 6 e 7 de julho, sob a presidência brasileira será um marco histórico. O BRICS+, agora com 10 membros plenos, atraiu a participação de quase 25 países — entre delegações oficiais, convidados e observadores. Estão representadas nações de todos os continentes, incluindo potências energéticas, países africanos estratégicos, asiáticos de peso e parceiros latino-americanos com interesse em aderir ao bloco ou ampliar cooperação. É uma nova geopolítica em formação — e o Brasil está no comando.

Entre os compromissos em negociação na reunião do BRICS + estão:

  • a criação de um fundo climático com financiamento acessível;
  • a regulação ética e inclusiva da inteligência artificial;
  • a cooperação em saúde com foco em doenças negligenciadas;
  • e um portfólio de 180 mecanismos de colaboração estrutural entre os países do Sul.

Trata-se de uma tentativa séria de construir uma alternativa real ao G7, à lógica de Bretton Woods, à supremacia do dólar. E é Lula quem preside esse movimento.

Enquanto esse cenário espetaculoso ocorre no Rio de Janeiro, Brasília afunda em disputas menores. O Congresso segue dominado por fisiologismo e sabotagens, em que derrotas do governo Lula são comemoradas como troféus por uma elite política que perdeu qualquer senso de responsabilidade histórica.Vetos são derrubados, chantagens orçamentárias em troca de emendas parlamentares escandalosas ocorrem sem transparência, paralisação da reforma tributária provocam levantes e tomam conta das redes sociais. A cada novo embate, fica mais evidente que parte da elite brasileira aposta no caos para pavimentar o retorno da extrema direita em 2026.

A elite brasileira ainda não entendeu

Enquanto Lula é aplaudido em Johanesburgo, Nova Délhi, Pequim, Paris e agora no Rio, setores da elite política e econômica brasileira seguem presos ao manual da dependência: ajuste fiscal eterno, teto de gastos, submissão geopolítica. Não toleram que um operário fale de igual para igual com os grandes. Não suportam que o Brasil proponha ao mundo um novo pacto civilizatório baseado na cooperação, e não na dominação.

Mas Lula segue. E ao usar a política externa como sua principal trincheira — não para fugir da luta interna, mas para reafirmar o projeto nacional — ele mostra o que significa ser um verdadeiro estadista.

O que está em jogo no Rio não é apenas o futuro do BRICS. É a reafirmação de um Brasil soberano, que pensa o mundo a partir do Sul. E que, apesar das armadilhas internas, tem muito a dizer.

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

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Last Update: 06/07/2025