O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta segunda-feira (14) o decreto que regulamenta a chamada Lei da Reciprocidade, abrindo caminho para que o Brasil adote contramedidas diante da tarifa de 50% anunciada pelo governo Donald Trump contra produtos brasileiros.
A medida foi publicada no Diário Oficial da União desta terça-feira (15) e confirma também a criação de um comitê interministerial com participação de empresários, que será coordenado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e começa a se reunir já nesta semana.
O decreto detalha os procedimentos administrativos que devem ser seguidos a partir de agora para aplicação da lei aprovada em abril pelo Congresso.
Entre os dispositivos, estão a previsão de um rito ordinário, conduzido pela Câmera de Comércio Exterior (Camex) com consultas públicas, e um rito expresso para casos considerados urgentes, sob coordenação direta dos ministérios da Fazenda, Relações Exteriores, Indústria e Casa Civil.
O texto prevê ainda que o país-alvo das contramedidas seja comunicado formalmente em cada fase do processo, preservando a via diplomática e garantindo margem para negociações.
Segundo o ministro Rui Costa (Casa Civil), o objetivo da regulamentação é permitir que o Brasil reaja “com rapidez e proporcionalidade” sempre que for alvo de medidas unilaterais que prejudiquem sua competitividade.
Ainda que o decreto não cite explicitamente os Estados Unidos, integrantes do governo admitem que a norma poderá ser aplicada diretamente contra Washington caso não haja avanço nas tratativas bilaterais.
Comitê com empresários será liderado por Alckmin e começa a atuar nesta terça
Além da regulamentação da lei, o governo Lula formalizou a criação de um comitê interministerial para avaliar os impactos econômicos da tarifa norte-americana e definir estratégias conjuntas com o setor privado.
O colegiado será presidido por Alckmin e contará com os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Itamaraty) e Rui Costa (Casa Civil). Também poderão ser convocados representantes da Agricultura, dependendo do andamento das discussões.
A primeira reunião do comitê ocorre nesta terça-feira (15) com representantes da indústria e do agronegócio. O objetivo imediato é mapear os danos econômicos já sentidos pelos exportadores e discutir possíveis respostas.
Para o Planalto, a presença de empresários é estratégica para reforçar o discurso de que o tarifaço não atinge apenas o governo, mas toda a economia nacional — em especial cadeias produtivas ligadas ao etanol, carne e manufaturados.
O decreto e a formação do comitê são vistos por aliados como parte de uma reação articulada que busca isolar politicamente a medida de Trump, além de transmitir imagem de firmeza institucional diante da pressão externa.
Escalada diplomática: governo Trump ataca Lula, Moraes e o STF
A Casa Branca ampliou nesta segunda-feira (14) sua campanha de intimidação contra o governo brasileiro e o Supremo Tribunal Federal.
Em nova publicação oficial do Departamento de Estado, o subsecretário de Diplomacia Pública, Darren Beattie, afirmou falsamente que a Suprema Corte e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estariam promovendo ataques à liberdade de expressão e ao comércio com os EUA.
A nota reproduz a narrativa bolsonarista sobre uma suposta perseguição a Jair Bolsonaro — réu por tentativa de golpe de Estado.
Beattie escreveu que Trump “impôs consequências há muito esperadas à Suprema Corte de Moraes e ao governo Lula”, afirmando ainda que “tais ataques são uma vergonha” e que os EUA estariam “observando atentamente” o Brasil.
A publicação oficial cita nominalmente o ministro Alexandre de Moraes e representa uma grave interferência nos assuntos internos brasileiros.
Diferentemente do que afirma Beattie, o julgamento de Bolsonaro obedece aos ritos constitucionais, com base em provas apresentadas pelo Ministério Público.
A tentativa do governo Trump de associar tarifas comerciais à defesa do ex-presidente brasileiro escancara a motivação ideológica da retaliação econômica — e viola os princípios do comércio multilateral.
Para o governo Lula, a Lei da Reciprocidade e o decreto assinado nesta segunda são instrumentos legítimos de defesa diante de “medidas extraordinárias e extemporâneas adotadas de forma unilateral”, conforme declarou o ministro Rui Costa (Casa Civil).
Vexame na TV dos EUA: assessor de Trump revela motivação política da tarifa
A politização da medida ficou ainda mais evidente durante entrevista ao vivo do assessor econômico de Trump, Kevin Hassett, no programa This Week, da ABC, no último domingo (13).
Questionado sobre as razões para a tarifa, Hassett afirmou que as decisões do Judiciário brasileiro, especialmente no julgamento de Jair Bolsonaro, representavam “uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos”.
Confrontado pelo âncora Jonathan Karl com dados oficiais que mostram superávit de US$ 7,4 bilhões dos EUA nas trocas com o Brasil, o assessor perdeu o rumo.
Ao ser pressionado, admitiu que Trump “tem o direito de intervir em assuntos internos” de outros países sempre que considerar tratar-se de uma emergência de segurança. Incapaz de justificar a conexão entre o julgamento de Bolsonaro e o comércio exterior, Hassett encerrou a resposta com evasivas sobre déficits comerciais genéricos.
O episódio gerou constrangimento público e reforçou a percepção internacional de que o tarifaço tem motivação ideológica. Para autoridades brasileiras, a entrevista é vista como uma confissão informal do uso da política comercial como instrumento de pressão política — o que pode fortalecer o Brasil em fóruns multilaterais.