Quando o Brasil saiu da longa ditadura, especialmente depois que Lula assumiu a presidência, a informalidade tornou-se uma das ferramentas do soft power brasileiro. A informalidade de Lula cativou governantes de todos os quadrantes. Foi peça chave para a simpatia despertada em George Bush, pai. Na cerimônia de escolha do país-sede da Copa do Mundo, o Brasil ganhou da Espanha. Imediatamente Lula foi até o presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero e deu-lhe um abraço de solidariedade. No final do ano, a mídia indagou de Zapatero qual seu momento mais emocionante. E ele mencionou o abraço de Lula.
O trabalho realizado por Domenico Di Masi sobre a Cara do Brasil, definiu como pontos centrais o Carnaval carioca e as festas populares do nordeste. A (falsa) democracia social das praias, mulheres bonitas, ritmos alegres, a informalidade contagiante do maior símbolo brasileiro nos Estados Unidos – Carmen Miranda – tudo isso contribuiu para fortalecer esse lado alegre do brasileiro.
Nos anos 2000-2010, praias francesas e italianas passaram a ostentar as cores verde-amarela. Na época, almocei com executivos de empresas italiana e francesa que me explicaram o motivo: a informalidade brasileira.
Apenas um invencível sentimento de viralatice, dos internacionalistas apud Miami, envergonham-se dessa informalidade.
Certa vez fui convidado para uma entrevista na MTV. Em determinada hora abriu-se o “momento de desancar Lula”. A apresentadora dizia do ridículo de Lula recomendando aos futuros turistas, que viriam para o Panamericano e para a Copa, evitarem ruelas escuras, por questão de segurança.
- O presidente da República comportando-se como um guia turístico!, comentou a âncora.
Na minha vez, falei do maior ativo brasileiro: a informalidade e o abraço. E dei como exemplo a cena de nascimento de Zé Carioca. Aparece Pato Donald na cena. Depois, um pincel vai construindo Zé Carioca. Quando termina o desenho, Zé Carioca ganha vida e dá um enorme abraço em Pato Donald – que recebe com os olhos esbugalhados de satisfação.
A reação enorme dos jornalistas brasileiro à tal fala de Janja, alertando para os problemas do TikTok obedecem ao chamado “apito de cachorro”, uma enorme bobagem ao qual aderiram jornalistas experientes.
De repente, novas âncoras, baluartes do feminismo, renderam-se ao sexismo mais primário. Uma delas chegou a dizer que Janja abusava das intervenções porque seu marido, Lula, permitia. Natuza de Deus, até você?
Enviados especiais da Folha, um deles até pouco tempo atrás titular de uma excelente coluna sobre a imprensa mundial, deixaram de lado qualquer veleidade analítica e debruçaram-se sobre essa loucura, de Jecas envergonhados pelo suposto papelão de conterrâneos na China.
Tenho um aplicativo do The New York Times. Toda notícia que entra obedece ao conceito de relevância. É esse conceito que, para o bem ou para o mal, tornou a grande imprensa mundial co-partícipe na construção das grandes políticas públicas.
Hoje em dia, no Brasil, o modelo da mídia tupiniquim não é mais o The New York Times, Financial Times, Reuters, BBC; são as mídias sociais. Os idiotas da mediocridade venceram e passaram a dominar toda a cobertura.
As poucas matérias analíticas ficam relegadas ao pé de página e longe das manchetes.
É a geopolítica, estúpidos!
A diplomacia brasileira, de volta ao tabuleiro internacional depois da gestão terraplanista de Ernesto, tem uma estratégia mantendo a tradição do Itamaraty de não alinhamento automático. Na atual guerra das tarifas manteve-se equidistante, sem enfrentar Donald Trump e sem ceder às suas ameaças.
Em um momento em que a geopolítica mundial é revirada de ponta cabeça, há grandes possibilidades de alianças que, se bem conduzidas, permitirão um salto para o país. Com a desagregação do império norte-americano, o Brasil tornou-se um player cobiçado pela Europa, China, Rússia, Índia e todos os grandes países do globo.
A viagem de Lula à Rússia e à China fazem parte de uma estratégia maior, de tirar vantagens em um mundo em disputa. Foi a estratégia que permitiu ao país o grande salto de industrialização dos anos 30 e 40. Primeiro, conseguindo maquinário alemão, na base do escambo, de troca por alimentos, driblando a falta de divisas de ambos os países. Depois, aliando-se aos Estados Unidos e conseguindo o investimento libertador que permitiu a construção da Companhia Siderúrgica Nacional. Agora, tem-se um quadro muito mais complexo, em um mundo multipolarizado.
Em países desenvolvidos, a mídia corporativa é participante ativa na construção de políticas públicas, identificando os temas relevantes e contribuindo com opiniões consistentes, à altura dos atores envolvidos na história. Um jornal como The New York Times fala de igual para igual com a diplomacia e com o Departamento de Estado levantando fatos e análises.
O Brasil já tem um bom quadro de acadêmicos especializados em geopolítica. Mas a cobertura das viagens de Lula à China é de uma pobreza humilhante, com o uso do chamado “apito de cachorro”, fazendo com que a maioria absoluta dos jornalistas da imprensa corporativa se comportassem como meros repórteres de variedades, visando transformar a não-notícia em notícia.
Lula traz uma conjunto expressivo de vitórias.
- Acordos comerciais e investimentos.
- Fortalecimento da cooperação em infraestrutura.
- Compromisso com o multilateralismo.
- Promoção de nova governança global
Quem quis análises aprofundadas da viagem precisou ler a Reuters, a RTP (Rádio e Televisão de Portugal).
Há inúmeros temas relevantes a serem discutidos e questionados. Por exemplo, nos investimentos em ferrovias, qual a parte que caberá à indústria brasileira, tanto a ferroviária quanto a siderúrgica? Na vida de montadoras chinesas ao país, quais os compromissos fechados sobre a nacionalização da indústria de componentes e a transferência de tecnologia? Nos acordos de pesquisa conjunto, como assegurar o aproveitamento dos resultados por empresas brasileiras?
Mas por aqui, foi um horror de cobertura, oscilando entre as críticas à Lula por ter ido a países não democrático, e a fala de Janja no jantar.
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