O acadêmico Luis Felipe Miguel publicou um curioso artigo em seu perfil na plataforma Substack, intitulado “Lula abraça Putin“. Tecendo comentários sobre a participação do mandatário brasileiro na celebração organizada pelo governo russo para comemorar os 80 anos da vitória russa contra o nazismo, o pequeno-burguês diz que “falsos ingênuos dirão que é justo comemorar a vitória da extinta União Soviética na Segunda Guerra Mundial”, tratando ainda, logo no primeiro parágrafo, como “suposto” o público e deliberado esforço da propaganda imperialista de apagar “a participação fundamental dos soviéticos na luta contra o nazismo”. Eis a consideração de Miguel sobre a celebração organizada pelo governo russo:

“Não é um encontro normal entre chefes de Estado, em que fatalmente se torna necessário trocar afabilidades com todo o tipo de patife. É uma parada militar em um país que a comunidade internacional condena por ter agredido um vizinho.”

Em primeiro lugar, o que o autor chama eufemisticamente de “comunidade internacional” concretamente, são os EUA, a União Europeia e o Japão, e os regimes lacaios desses países, ou ainda mais concretamente, o imperialismo. Não é que uma verdadeira comunidade de nações igualmente independentes e soberanas discutiram democraticamente a questão, e decidiram condenar as operações militares russas contra o regime ucraniano, como tenta fazer parecer o maroto professor.

Quem verdadeiramente condena o governo russo são os que jogaram o mundo em duas grandes guerras mundiais, que aplicaram uma infinidade de golpes de Estado e hoje são diretamente responsáveis pelo genocídio do povo palestino, entre outros crimes. Eis a “comunidade internacional” de Miguel, que já dá claro sinais de subordinação intelectual e política ao usar tais eufemismos, criados pela máquina de propaganda imperialista para ocultar o fato óbvio, de que são principalmente os EUA e a UE que condenam a ofensiva russa. A esse comentário, o autor acrescenta que “ao ir a seu encontro, Lula objetivamente endossa a agressão contra os ucranianos. Não é preciso ser um expert em política internacional para perceber isso”.

Aqui, cabe um parentese: Lula não está, “objetivamente”, endossando nenhuma agressão aos ucranianos e isso quem diz são os próprios ucranianos. O inepto autor não se deu ao trabalho de comparar a situação da Ucrânia com a Palestina, mas isso é vital para entender a diferença entre os casos.

Enquanto na Palestina, o Hamas é amplamente apoiado para encabeçar a luta contra a invasão sionista, na Ucrânia, o regime liderado por Zelenski enfrenta uma ampla rejeição, a ponto de precisar suspender as eleições, sendo acertadamente chamado de “ditador” pelos trumpistas nos EUA. O repúdio da população ucraniana contra o regime é tamanho que existe uma dificuldade pública enfrentada pela ditadura em recrutar combatentes.

Ao contrário dos russos que viram seu país invadido pela horda nazista e mesmo repudiando a ditadura stalinista, lutaram no Exército Vermelho para derrotar Hitler, ao contrário dos argentinos que mesmo se opondo à criminosa ditadura militar se uniram às forças armadas para expulsar o imperialismo britânico das Malvinas, e ao contrário também do povo palestino que se une às forças da Resistência para expulsar os invasores sionistas, os ucranianos não estão nem um pouco entusiasmados com a ideia de lutar contra a Rússia. Também não é preciso ser um expert para perceber que mesmo um canalha entreguista como Leopoldo Galtieri conseguia ser menos odiado pelos argentinos do que Zelenski pelos ucranianos.

A conclusão óbvia desse dado da realidade é que, no mínimo, Putin é percebido como um agressor menor para os ucranianos do que o próprio regime oriundo do Euromaidan. Convenientemente, Miguel ignora, mas esse regime nasceu de um golpe de Estado que, entre outras barbáries, assassinou cruelmente dezenas de pessoas queimadas no interior de um prédio, a Casa dos Sindicatos de Odessa.

Opositores do golpe de Estado e da submissão da Ucrânia à OTAN e à UE refugiaram-se no prédio após serem derrotados nas ruas pelos defensores do golpe de Estado, que não vacilaram em incendiar o prédio e matar todos que lá se escondiam. Zelenski não passa de um fantoche dos grupos nazistas financiados pelos EUA para fazerem isso, sendo a continuação de um regime de terror iniciado há 11 anos e de tão criminoso, não é surpresa que enfrente tanta dificuldade em encontrar pessoas na própria Ucrânia dispostas a pegarem em armas para defendê-lo.

Para Miguel, porém, tudo isso é secundário. Eis o que o pequeno-burguês diz sobre quem lembra esse retrospecto fundamental para entender o que se passa na Ucrânia hoje:

“Quando a guerra entra na discussão, os falsos ingênuos subitamente aderem a teorias sofisticadas. Falam sobre a mistura étnica do Donbass e de outras regiões da Ucrânia oriental, como se conhecessem algo daquilo; citam plebiscitos organizados pela Rússia, como se não fossem fajutos; colocam na conversa a OTAN e a política de cerco adotada pelos Estados Unidos pré-Trump.”

Malandramente, Miguel coloca um abstrato “falam sobre a mistura étnica do Donbass” que não desmente o fato óbvio de que a população do Donbass é russa. O autor, no entanto, não entra no mérito de que a região tem sido palco de uma campanha de extermínio análoga à que vive a Palestina, porém com russos no lugar dos palestinos. A crítica abstrata indica que Miguel sabe o que os russos do Donbass têm sofrido desde o golpe de 2014, mas prefere ignorar o fato de que mais de 11 mil russos foram assassinados na região e que o idioma russo fora proibido, saindo-se com um “falam como se conhecessem”.

O mais impressionante, porém, é como escamoteia questões centrais: “OTAN e a política de cerco adotada pelos Estados Unidos pré-Trump”. Ora, essa afirmação é verdade ou mentira? Isso é o que deveria ser discutido em um debate político sério, porém autor foge do questionamento por uma malandragem, afinal, entrar nele, implicaria reconhecer não apenas que Putin está absolutamente certo em defender seu país do cerco, como Lula também acerta ao apoiar o governante russo em sua luta contra o imperialismo.

Trata-se de uma opinião que o tornaria altamente impopular em meios exclusivistas, especialmente onde o dinheiro do imperialismo jorra para comprar opiniões como as que Miguel publica.

“Acho que tem três fatores que explicam o fenômeno. O primeiro, obviamente, é o maniqueísmo. Uma vez que o imperialismo estadunidense é mau, quem se opõe a ele precisa necessariamente ser bom. Se a OTAN era contra, eu tinha que ser a favor.

(…)

O maniqueísmo nos dá um lado para o qual torcer, o que parece satisfazer algumas predisposições psicológicas inatas. E, sobretudo, permite que a gente evite confrontar o fato de que, no mundo em que vivemos, muitas vezes a disputa que ocorre não é do mal contra o bem, mas de um mal contra outro.”

É uma forma cínica de colocar o problema, que nem por acaso se trata de torcida, mas da luta política que está posta, por exemplo, quando Lula enfrenta as críticas dirigidas à sua ida à Moscou, prestar sua solidariedade a um parceiro do BRICS que paga o preço por não aceitar o cerco imperialista contra seu país. Se por um lado, Lula se colocou (acertadamente, deve-se dizer) ao lado de um país oprimido pelo imperialismo, o pequeno-burguês optou por se alinhar ao Estadão, à Folha e O Globo, os mais eloquentes críticos do apoio de Lula a Putin no momento em que o líder russo é um dos principais organizadores da oposição à ditadura imperialista no mundo, enfrentando inclusive, os nazistas do presente, que tentam transformar Quieve em uma cabeça de ponte para atacar a Rússia.

Finalmente, a luta de classes não é a caricatura estúpida de Miguel, mas de fato, implica em um maniqueísmo real, onde existem opressores e oprimidos. O que o autor faz ao ridicularizar esse dado da realidade, é demostrar seu alinhamento mais ou menos velado ao lado dos primeiros, rebaixando-se, inclusive, a criticar a celebração da derrota do nazismo, tal qual a máquina de propaganda imperialista.

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Last Update: 12/05/2025