No encerramento do Fórum Empresarial Brasil-França, presidente combina otimismo comercial, crítica geopolítica e defesa da ecologia

Nesta sexta-feira (6), segundo dia de sua visita oficial à França, o presidente participou, em Paris, do Fórum Empresarial Brasil‑França, reunindo empreendedores dos dois países. No encerramento do evento, Lula fez um discurso descontraído e repleto de improvisos. Em sua fala, reforçou a importância da parceria entre os dois países, defendeu o avanço do acordo Mercosul-União Europeia e propôs uma relação mais próxima entre agricultores brasileiros e franceses.

Antes de sua intervenção, autoridades francesas e brasileiras ressaltaram os laços históricos e as oportunidades de cooperação entre os dois países. Laurent Saint-Martin, ministro delegado para o Comércio Exterior da França, ressaltou que “39 das 40 maiores empresas francesas estão no Brasil. A economia francesa, quando quer obter êxito, olha para o mercado brasileiro”.

Do lado brasileiro, Márcio Elias Rosa, secretário-executivo do MDIC, representou o titular da pasta e vice-presidente Geraldo Alckmin. “A França é o 3o maior parceiro de comércio do Brasil, mas o resultado não retrata a nossa potencialidade. E para que ela possa crescer, é preciso que nós, brasileiros, estejamos presentes aqui na França”, afirmou.

Sua participação foi seguida de Jorge Viana, presidente da Apex, que insistiu no fato de “que o presidente Lula está institucionalizando algo que o Brasil tinha perdido, a diplomacia presidencial e o compromisso de dar voz, de reunir o setor produtivo brasileiro em todos os lugares do mundo”.,

Agricultura e ecologia

Voltando-se para o presidente francês de forma bem-humorada, Lula abordou um dos pontos-chaves de sua visita: a concretização do acordo entre Mercosul e União Europeia. “Eu vou tirar proveito da minha relação de amizade com o Macron e vou toda semana ligar […] Macron, meu companheiro, vamos fazer negócio […] Vamos chamar um grupo de pessoas ligadas à agricultura francesa, um grupo de pessoas ligadas à agricultura brasileira e vamos colocar numa mesa para conversar. E vamos perceber que há muita complementariedade entre os produtores franceses e os brasileiros”, declarou.

Em relação à cooperação ambiental, Lula convidou os franceses a comparecerem à COP30, a ser realizada em Belém, em novembro. E insistiu na responsabilidade das nações desenvolvidas na crise climática: “Os países que têm floresta são quase todos pobres. […] E os países mais ricos têm que compreender que eles têm um passivo histórico […] Vocês já tiraram o proveito de poluir o planeta, vocês já criaram o estado de bem-estar social. E nós que ainda não criamos nada, não vamos ter chance de criar? Essa é a discussão que está na mesa”.

O presidente brasileiro ressaltou que “o Brasil é um país que tem 90% da sua energia elétrica limpa”. E completou: “O que nós queremos é construir parceria, nada mais do que isso. […] Encontrar uma solução pra garantir aos nossos filhos, aos nossos netos, um mundo habitável”.

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Multilateralismo e reforma da ONU

Lula reforçou a defesa do multilateralismo como caminho para enfrentar os desafios globais e superar a atual crise de governança internacional. “Eu consegui introduzir uma nova palavra no dicionário francês, que não existia: multilateralismo. Foi criada no dicionário, portanto […] Querem derrotar o multilateralismo, querem derrotar o livre comércio, a volta do protecionismo não ajuda ninguém”.

E defendeu uma reformulação profunda na ONU. “Nós não temos governança mundial hoje. A ONU não representa quase nada mais, nenhuma decisão da ONU é cumprida”, afirmou. Para o presidente, é necessário um novo arranjo global mais representativo e eficaz. “Dizem que tem que ser por consenso, não precisa ser por consenso, porque o consenso é importante quando ele é construído, mas se ele não for construído, vota a maioria. Isso é democracia”.

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Combate à desigualdade 

O presidente também criticou a indiferença do mundo diante do sofrimento dos menos favorecidos, citando o caso do Haiti como exemplo da falência das estruturas internacionais frente à fome e à miséria. “O Haiti está sendo destruído pela fome. 733 milhões de pessoas no planeta Terra vão dormir toda noite sem ter certeza de que no dia seguinte terão um café com leite e um pão para tomar. Isso não é capaz de indignar a gente?”, provocou.

Segundo Lula, é necessário recuperar o papel do Estado no combate à desigualdade, sem sacrificar os mais pobres. “No meu país, muita gente acha que para controlar o déficit fiscal você não precisa dar aumento do salário mínimo. Como é que você pode cortar o aumento do mínimo do mínimo?”. E defendeu um novo pacto global baseado na justiça social, na solidariedade e na responsabilidade compartilhada.

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Inteligência artificial e humanismo

Em sua fala, Lula demonstrou ceticismo em relação ao avanço descontrolado da inteligência artificial e alertou para os riscos da substituição do pensamento humano por algoritmos. “Nós não pensamos mais, nós falamos do que o celular manda a gente fazer”, criticou. E também expressou preocupação com o uso dessas ferramentas em processos democráticos, como eleições: “Imagina o que vai ser uma campanha eleitoral com inteligência artificial. 100% de mentira. Isso é inteligência artificial?”

Diante desse cenário, defendeu o humanismo e destacou a importância dos sentimentos, da empatia e das relações pessoais frente ao avanço tecnológico. “Eu sinceramente, sou daqueles que prefiro ser um ser humano com sentimento. Eu choro quando alguma coisa me toca no coração […] choro com novela, com revista, com filme”.

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“Nós temos que voltar a nos abraçar, nós temos que voltar a nos ajudar. Nós estamos ficando muito individualistas”, afirmou, em uma frase pode definir ao mesmo tempo seu pensamento sobre a desumanização tecnológica e sua trajetória política, baseada na solidariedade e na escuta dos mais necessitados.

PTNacional

 

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Last Update: 06/06/2025