Luiz Inácio Lula da Silva voltou à Presidência em 2023 determinado a colocar o Brasil de volta no centro da cena global, após os quatro anos de Jair Bolsonaro, marcados por políticas negacionistas e uma diplomacia de embates ideológicos.
“Ele [Lula] reverteu completamente a situação desde janeiro de 2023”, afirmou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, em entrevista a CartaCapital. “Em dois anos, agora nós estamos na metade do mandato, creio que as conquistas diplomáticas foram muito grandes e muito importantes”.
O ponto alto da política externa nesse primeiro biênio foi a reunião de cúpula do G20, realizada no Rio de Janeiro em novembro. Nos dois próximos anos, o evento mais aguardado será a conferência anual da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mudanças climáticas, a COP30, que ocorrerá em Belém em novembro de 2025.
“Não tenho dúvida de que será um sucesso”, disse Vieira, ao comentar os desafios logísticos e hoteleiros da realização do evento na Amazônia. “O meio ambiente, a política ambiental, é um elemento fundamental da política doméstica e da política externa do governo e do presidente Lula pessoalmente.”
Quanto à participação dos Estados Unidos na COP30, Vieira foi taxativo: “Os EUA são membros da convenção da ONU sobre Mudança do Clima, não há razão para que não participem.” Ele ponderou, no entanto, que isso não implica necessariamente a presença de Donald Trump, caso o republicano, eleito em novembro, esteja no comando. “Nem todos os presidentes participam sempre das COPs”, acrescentou o chanceler.
Sobre a relação entre Lula e Trump, Vieira recordou que o brasileiro manteve boas relações com o republicano George W. Bush em seus mandatos anteriores. “Lula e Trump não se conhecem, mas tenho certeza de que se entenderão bem, sobretudo porque ambos são nacionalistas, defendem os interesses de seus países.”
O nacionalismo trumpista, entretanto, já dá sinais de conflito. Em dezembro, Trump criticou as tarifas de importação brasileiras: “A Índia cobra muito [imposto de importação de produtos americanos], o Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa.” Mauro Vieira minimizou o tom beligerante: “Procuraremos, pelos instrumentos diplomáticos, sempre encontrar posições que acomodem as necessidades de ambas as partes.”
Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil. De janeiro a novembro, as exportações de um lado a outro somaram 73 bilhões de dólares. “Há uma enorme quantidade de empresas americanas que investem em setores extremamente relevantes no Brasil, como a indústria automobilística e farmacêutica”, destacou o chanceler.
Ou seja, se Trump quiser brigar com o Brasil, também tem a perder.
Ainda assim, a China continua sendo o maior parceiro comercial brasileiro, com transações que totalizaram 150 bilhões de dólares no mesmo período – o dobro do comércio com os EUA. Em novembro, Xi Jinping visitou o Brasil e deve retornar em 2025. Além disso, o Brasil assume a presidência rotativa dos Brics em 2024, quando deverá organizar a cúpula do grupo antes de julho.
No âmbito dos Brics, a presidência russa em 2024 impulsionou esforços para criar um sistema monetário alternativo ao Swift, controlado por EUA e Europa. O Brasil planeja dar continuidade a essas iniciativas.
No cenário geopolítico, o chanceler brasileiro foi questionado sobre as possibilidades de Trump influenciar o desfecho da guerra na Ucrânia, dado seu histórico de aproximação com Vladimir Putin. “Espero que os Estados Unidos, como importante ator internacional, sigam no caminho da negociação para uma solução pacífica”, afirmou Vieira. Ele também ressaltou o impacto do documento assinado por Brasil e China em 2024, que defende o restabelecimento das fronteiras de 2014 como base para as negociações.
Outro conflito global que pode ser influenciado por Trump é a guerra entre Israel e Palestina. Nos últimos dias, Trump declarou que “haverá sérias consequências” caso o Hamas não libere todos os reféns judeus. O chanceler condenou o ataque do Hamas em outubro de 2023, mas criticou duramente a resposta israelense: “Não podemos concordar com a reação desproporcional de Israel. Há uma violência desmesurada que já levou à morte de 42, 43 mil pessoas, a maior parte de crianças e mulheres. É inaceitável. O presidente Lula já disse que o direito à autodefesa não pode ser um direito de vingança.”