O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu, neste domingo (6), a sessão Paz e Segurança, Reforma da Governança Global dos Brics, encontro que reuniu líderes do Sul Global no Rio de Janeiro.
O encontro faz parte da programação da 17º Cúpula dos Líderes do Brics, que termina na próxima segunda-feira (7).
Ao longo do discurso, o chefe de Estado brasileiro ressaltou o papel da Organização das Nações Unidas, que apesar dos 80 anos, presencia um momento de colapso sem paralelo.
“O advento da ONU marcou a derrota do nazi-fascismo e o nascimento de uma esperança coletiva. A grande maioria dos países que hoje integram o BRICS foram seus membros fundadores”, lembrou Lula.
“Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque. Avanços arduamente conquistados, como os regimes de clima e comércio, estão ameaçados. Na esteira da pior crise sanitária em décadas, o sistema de saúde global é alvo de investida sem precedentes. Exigências absurdas sobre propriedade intelectual ainda restringem o acesso a medicamentos. O direito internacional se tornou letra morta, juntamente com a solução pacífica de controvérsias”, continuou o presidente brasileiro.
Lula criticou ainda a recente decisão dos países membros da Otan, que estipularam um gasto de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) para gastos com a indústria bélica.
“É mais fácil destinar 5% do PIB para gastos militares do que alocar os 0,7% prometidos para Assistência Oficial ao Desenvolvimento. Isso evidencia que os recursos para implementar a Agenda 2030 existem, mas não estão disponíveis por falta de prioridade política. É sempre mais fácil investir na guerra do que na paz.”
Já sobre o Conselho de Segurança da ONU, Lula evidenciou que os desfechos já são conhecidos pela perda de credibilidade e paralisia. “Ultimamente sequer é consultado antes do início de ações bélicas.”
Como alternativa, Lula defendeu iniciativas que ponham fim às hostilidades, citando como exemplo o Grupo de Amigos para a Paz, criado em parceria com a China.
Outra sugestão é a de que os países do Sul Global lancem bases de uma governança revigorada, a fim de superar a crise da multipolaridade atual. “Se a governança internacional não reflete a nova realidade multipolar do século XXI, cabe ao BRICS contribuir para sua atualização”.
“É mais do que uma questão de justiça. É garantir a própria sobrevivência da ONU. Esse é o espírito do ‘Chamado à Ação sobre a Reforma da Governança Global’ lançado pela presidência brasileira do G20. Adiar esse processo torna o mundo mais instável e perigoso”, concluiu o presidente.
Confira o discurso na íntegra:
“Pela quarta vez o Brasil sedia uma Cúpula do BRICS.
De todas, esta é a que ocorre em cenário global mais adverso.
A ONU completou 80 anos no último dia 26 de junho e presenciamos colapso sem paralelo do multilateralismo.
O advento da ONU marcou a derrota do nazi-fascismo e o nascimento de uma esperança coletiva.
A grande maioria dos países que hoje integram o BRICS foram seus membros fundadores.
Dez anos depois, a Conferência de Bandung refutou a divisão do mundo em zonas de influência e avançou na luta por uma ordem internacional multipolar.
O BRICS é herdeiro do Movimento Não-Alinhado.
Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque.
Avanços arduamente conquistados, como os regimes de clima e comércio, estão ameaçados.
Na esteira da pior crise sanitária em décadas, o sistema de saúde global é alvo de investida sem precedentes.
Exigências absurdas sobre propriedade intelectual ainda restringem o acesso a medicamentos.
O direito internacional se tornou letra morta, juntamente com a solução pacífica de controvérsias.
Nos defrontamos com número inédito de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial.
A recente decisão da OTAN alimenta a corrida armamentista.
É mais fácil destinar 5% do PIB para gastos militares do que alocar os 0,7% prometidos para Assistência Oficial ao Desenvolvimento.
Isso evidencia que os recursos para implementar a Agenda 2030 existem, mas não estão disponíveis por falta de prioridade política.
É sempre mais fácil investir na guerra do que na paz.
As reuniões do Conselho de Segurança da ONU reproduzem um enredo cujo desfecho todos conhecemos: perda de credibilidade e paralisia.
Ultimamente sequer é consultado antes do início de ações bélicas.
Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais.
Assim como ocorreu no passado com a Organização para a Proibição de Armas Químicas, a instrumentalização dos trabalhos da Agência Internacional de Energia Atômica coloca em jogo a reputação de um órgão fundamental para a paz.
O temor de uma catástrofe nuclear voltou ao cotidiano.
As violações recorrentes da integridade territorial dos Estados, em detrimento de soluções negociadas, solapam os esforços de não-proliferação de armas atômicas.
Sem amparo no direito internacional, o fracasso das ações no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria tende a se repetir de forma ainda mais grave.
Suas consequências para a estabilidade do Oriente Médio e Norte da África, em especial no Sahel, foram desastrosas e até hoje são sentidas.
No vazio dessas crises não-solucionadas, o terrorismo encontrou terreno fértil.
A ideologia do ódio não pode ser associada a nenhuma religião ou nacionalidade.
O Brasil repudiou os atentados na Caxemira.
Absolutamente nada justifica as ações terroristas perpetradas pelo Hamas.
Mas não podemos permanecer indiferentes ao genocídio praticado por Israel em Gaza e a matança indiscriminada de civis inocentes e o uso da fome como arma de guerra.
A solução desse conflito só será possível com o fim da ocupação israelense e com o estabelecimento de um Estado palestino soberano, dentro das fronteiras de 1967.
O governo brasileiro denunciou as violações à integridade territorial do Irã, como já havia feito no caso da Ucrânia.
É urgente que as partes envolvidas na guerra na Ucrânia aprofundem o diálogo direto com vistas a um cessar-fogo e uma paz duradoura.
O Grupo de Amigos para a Paz, criado por China e Brasil e que conta com a participação de países do Sul Global, procura identificar possíveis caminhos para o fim das hostilidades.
Gravíssimas crises em outras partes do mundo seguem ignoradas pela comunidade internacional.
No Haiti tivemos a MINUSTAH, mas a comunidade internacional abandonou o país antes da hora. O Brasil apoia a ampliação urgente do papel da Missão da ONU no país, que combine ações de segurança e desenvolvimento.
Senhoras e senhores,
Nas oito décadas de funcionamento das Nações Unidas, nem tudo foi fracasso.
A organização foi central no processo de descolonização.
A proibição do uso de armas biológicas e químicas é exemplo do que o compromisso com o multilateralismo pode alcançar.
O sucesso de missões da ONU no Timor-Leste demonstra que é possível promover a paz e a estabilidade.
A América Latina fez a opção, desde 1968, por ser uma Zona Livre de Armas Nucleares.
A União Africana também consolida seu protagonismo na prevenção e resolução de conflitos que afligem aquele continente.
Se a governança internacional não reflete a nova realidade multipolar do século XXI, cabe ao BRICS contribuir para sua atualização.
Sua representatividade e diversidade o torna uma força capaz de promover a paz e de prevenir e mediar conflitos.
Podemos lançar as bases de uma governança revigorada.
Para superar a crise de confiança que enfrentamos, é preciso transformar profundamente o Conselho de Segurança.
Torná-lo mais legítimo, representativo, eficaz e democrático.
Incluir novos membros permanentes da Ásia, da África e da América Latina e do Caribe.
É mais do que uma questão de justiça.
É garantir a própria sobrevivência da ONU.
Esse é o espírito do “Chamado à Ação sobre a Reforma da Governança Global” lançado pela presidência brasileira do G20.
Adiar esse processo torna o mundo mais instável e perigoso.
Cada dia que passamos com uma estrutura internacional arcaica e excludente é um dia perdido para solucionar as graves crises que assolam a humanidade.
Muito obrigado.”
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