Durante a abertura do encontro anual do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a criação de uma nova arquitetura de financiamento internacional e criticou as instituições originadas nos acordos de Bretton Woods, como o FMI e o Banco Mundial.
No discurso, Lula afirmou que os países em desenvolvimento permanecem limitados por dívidas impagáveis e sistemas de crédito que, segundo ele, não acompanham as transformações econômicas e sociais do século XXI.
“É preciso que as pessoas reeduquem as instituições de Bretton Woods. Não é possível continuar, com todas as mudanças geopolíticas e climáticas, tratando o financiamento do mesmo jeito”, declarou o presidente, ao defender mudanças estruturais nos critérios de empréstimos aplicados pelas instituições multilaterais.
O encontro foi realizado sob coordenação do NDB, também conhecido como Banco dos BRICS. A entidade reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além de outros países associados. Criado como alternativa às instituições financeiras tradicionais, o NDB busca oferecer financiamento a projetos de infraestrutura e desenvolvimento com foco em países do Sul Global.
Em sua fala, Lula abordou a dívida externa de países africanos e apontou o peso dos juros como entrave para investimentos sociais. “Não é possível que o continente africano deva US$ 900 bilhões e que o pagamento de juros seja muito maior do que qualquer dinheiro que eles tenham para fazer investimento”, afirmou. Segundo ele, sem reformas no sistema de crédito, “esses países continuam pobres”.
O presidente também citou o Haiti como exemplo de falência institucional agravada pela ausência de apoio internacional efetivo. “Não é possível que um país como o Haiti continue sendo um país semidestruído, em que você não pode nem eleger um presidente porque as gangues tomaram conta do país”, afirmou.
Lula fez críticas diretas ao conceito de austeridade fiscal adotado por instituições multilaterais como condicionalidade para liberação de recursos. “O modelo da austeridade não deu certo em nenhum país do mundo”, declarou.
Ele argumentou que as exigências de ajuste fiscal aprofundam desigualdades e limitam a capacidade dos governos de investir em políticas públicas. “Toda vez que se fala em austeridade, o pobre fica mais pobre e o rico fica mais rico.”
O discurso também incluiu uma defesa do papel político do evento, mesmo que o tema não fosse inicialmente previsto na pauta. “Eu sei que esse assunto não era para discutir aqui. Mas se eu não discutir com as pessoas com o dinheiro do mundo, eu vou discutir com quem? Com quem não tem dinheiro?”, questionou.
Ao tratar diretamente do NDB, Lula reforçou a expectativa de que o banco atue como agente de mudança no sistema financeiro global.
“Acho que vocês podem e devem mostrar ao mundo que é possível criar um novo modelo de financiamento, sem condicionalidades”, afirmou. Segundo ele, o banco deve consolidar práticas baseadas em justiça financeira, sustentabilidade e respeito à soberania nacional.
O Novo Banco de Desenvolvimento foi criado em 2015 com a proposta de financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos países membros e em economias emergentes. O objetivo declarado é oferecer crédito com menos exigências e maior flexibilidade do que os organismos tradicionais. A atual presidente da instituição é a ex-presidente Dilma Rousseff.
O discurso de Lula também teve como pano de fundo a preparação para a COP30, que será realizada em Belém, em 2025. O presidente tem reiterado que a agenda ambiental e a justiça econômica devem caminhar juntas, principalmente para países em desenvolvimento que buscam alternativas ao modelo tradicional de crescimento baseado em combustíveis fósseis e endividamento externo.
As declarações ocorrem em um momento em que diferentes países discutem alternativas às práticas condicionadas dos organismos multilaterais. No centro do debate está o equilíbrio entre financiamento e soberania, com foco na reformulação das exigências que acompanham empréstimos e pacotes econômicos.
A posição brasileira, expressa por Lula no evento, sugere uma tentativa de liderar o movimento por mudanças na governança financeira global. O país ocupa lugar de destaque no BRICS e, por meio do NDB, busca ampliar sua influência na construção de novas formas de financiamento para economias emergentes.
O presidente encerrou o discurso com um recado aos gestores do NDB e às autoridades presentes: “Está dado o recado”. A frase foi interpretada como um chamado direto para que os países do bloco avancem em propostas concretas de reestruturação dos mecanismos de financiamento, sem recorrer aos critérios tradicionalmente impostos por instituições sediadas em países desenvolvidos.
A próxima etapa do debate deve ocorrer nas reuniões preparatórias para a COP30 e no calendário interno do BRICS, que mantém em discussão a ampliação da atuação do NDB, inclusive com novos projetos na América Latina, África e Ásia. A expectativa é que o banco amplie sua carteira de financiamentos ainda em 2025.