Em meio à escalada autoritária e à imposição de tarifas unilaterais por parte do governo dos Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou nesta segunda-feira (21), em Santiago, da Reunião de Alto Nível “Democracia Sempre”.
Ao lado dos presidentes Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Pedro Sánchez (Espanha) e Yamandú Orsi (Uruguai), Lula defendeu a construção de uma frente internacional progressista contra o extremismo de direita e e afirmou que os países precisam atuar juntos diante da tentativa de retomada de práticas intervencionistas.
Reunidos no Palácio de La Moneda, os presidentes de cinco países reafirmaram nesta segunda-feira o compromisso com uma agenda democrática comum, baseada na cooperação internacional, na justiça social e na defesa do multilateralismo.
O encontro marca a segunda edição da iniciativa articulada originalmente por Lula e Pedro Sánchez em 2024, durante a Assembleia Geral da ONU, e acontece em um novo contexto de tensão: a ofensiva tarifária do governo de Donald Trump e o avanço de forças de extrema direita em diversos continentes.
Na declaração conjunta à imprensa, os chefes de Estado apresentaram os três eixos centrais da articulação. São eles a defesa da democracia e do multilateralismo, enfrentamento às desigualdades e combate à desinformação com regulação das plataformas digitais.
O presidente brasileiro sublinhou que a democracia não se limita a eleições periódicas e que os sistemas políticos perderam legitimidade ao deixarem de responder às necessidades populares.
“O sistema político e os partidos caíram em descrédito”, afirmou, ao defender um novo modelo de desenvolvimento com foco no bem-estar social. “A democracia liberal não foi capaz de responder aos anseios e necessidades contemporâneas”, disse.
Durante sua fala, Lula também defendeu medidas concretas para enfrentar os desequilíbrios estruturais do sistema global. “Não há justiça em um sistema que amplia benefícios para o grande capital e corta os direitos sociais”, disse, ao defender que “os super-ricos precisam arcar com a sua parte nesse esforço”.
Ele lembrou que 733 milhões de pessoas passam fome todos os dias e que políticas de austeridade impõem um sofrimento intolerável ao Sul Global. “Sem um novo modelo de desenvolvimento, a democracia seguirá ameaçada por aqueles que colocam seus interesses econômicos acima dos da sociedade e da pátria”, declarou.
Pedro Sánchez acusou diretamente o que chamou de “internacional reacionária” e alertou que o progressismo precisa se articular de forma coordenada para enfrentar a ofensiva global da ultradireita.
“Preservar a democracia é um dever moral”, disse. O presidente espanhol ainda anunciou que a próxima edição da cúpula ocorrerá em 2026, sob organização da Espanha.
Já Gabriel Boric defendeu que a democracia deve “entregar resultados” e reforçou que ninguém pode se salvar sozinho. “A crise climática, a pandemia, o crime internacional são desafios que devemos enfrentar em conjunto”, alertou o chileno
A fala de Gustavo Petro retomou a ideia de que a democracia deve ser defendida com convicção e com base em valores humanos fundamentais, como a liberdade e a solidariedade. Ele alertou para a destruição da multilateralidade por discursos irracionalistas e disse que, diante da escuridão, cabe aos progressistas “ligar a luz”.
Yamandú Orsi destacou a necessidade de autocrítica diante da perda de credibilidade das instituições e defendeu que a democracia continue sendo compreendida como a melhor forma de convivência social.
Cúpula terá continuidade na ONU e articula proposta global com participação da sociedade civil
Os presidentes confirmaram a elaboração de uma proposta conjunta que será apresentada na 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, em Nova York.
Segundo Boric, o novo ciclo da iniciativa incluirá lideranças de outros continentes e buscará “construir alternativas concretas frente aos desafios comuns enfrentados pelas democracias”.
Durante sua declaração, o presidente chileno anunciou que já convidou chefes de Estado que aceitaram se somar ao esforço.
Veja a lista de chefes de Estado que aceitaram o convite:
Claudia Sheinbaum (México),
Xiomara Castro (Honduras),
Keir Starmer (Reino Unido),
Mark Carney (Canadá),
Anthony Albanese (Austrália),
Cyril Ramaphosa (África do Sul) e
Mette Frederiksen (Dinamarca).
“Somos um grupo importante, grande, de líderes de países diferentes, mas com visões que se complementam para defender a democracia”, disse Boric.
Ele ressaltou que o esforço coletivo se diferencia por propor medidas estruturais, como o enfrentamento à desigualdade, o combate à desinformação e a cooperação contra o crime organizado transnacional.
Um dos eixos centrais da articulação é a regulação das plataformas digitais, tema que uniu os cinco presidentes.
Lula foi incisivo ao defender que a liberdade de expressão não seja manipulada para proteger discursos de ódio e ataques às instituições. “Liberdade de expressão não se confunde com autorização para incitar a violência, difundir o ódio, cometer crimes e atacar o Estado Democrático de Direito”, afirmou.
Ele também destacou que a transparência dos dados e a criação de uma governança digital global são fundamentais para garantir um debate público livre e plural.
A agenda da reunião incluiu ainda um diálogo com intelectuais e representantes da sociedade civil. Após a declaração à imprensa, os líderes participaram de um almoço com nomes como o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, a filósofa norte-americana Susan Neiman e o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz.
Em seguida, se reuniram com mais de 300 organizações chilenas, incluindo sindicatos, centros de pesquisa, movimentos populares e grupos estudantis.
Segundo Lula, essa articulação com a base social é decisiva para resgatar a legitimidade democrática: “A defesa da democracia não cabe somente aos governos. Requer participação ativa da academia, dos parlamentos, da sociedade civil, da mídia e do setor privado.”
Gabriel Boric reiterou que a proposta construída não será apenas institucional, mas também cultural e social.
“Não basta apontar quem pensa diferente. Temos que ser capazes de propor uma alternativa. A democracia tem que entregar resultados”, afirmou. Ele também reforçou que os problemas democráticos contemporâneos — como a desigualdade, o autoritarismo, o desmonte ambiental e o bloqueio de ajuda humanitária — exigem respostas globais articuladas.