Em artigo publicado neste fim de semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez críticas à decisão do governo dos Estados Unidos de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. Segundo ele, a medida é “equivocada e ilógica”, já que os EUA acumulam um superávit de cerca de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços nos últimos 15 anos.

Lula argumentou que quase 75% das exportações americanas entram no Brasil sem cobrança de impostos e que a tarifa média efetiva sobre produtos dos EUA é de apenas 2,7%. A falta de justificativa econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política, afirmou.

O presidente brasileiro também acusou Washington de usar tarifas e a Lei Magnitsky como instrumentos para pressionar por impunidade ao ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por participação na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

Lula destacou que a decisão do STF foi “histórica” e reafirmou que o julgamento seguiu a Constituição de 1988. Segundo ele, a investigação revelou planos de assassinato contra autoridades, incluindo ele próprio, o vice-presidente e um ministro da Corte, além de um rascunho de decreto que pretendia anular as eleições de 2022.

O presidente também rebateu acusações do governo Trump de que o Judiciário brasileiro estaria perseguindo empresas de tecnologia americanas. Ele afirmou que todas as plataformas digitais — nacionais ou estrangeiras — estão sujeitas às mesmas leis no país. “É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio“, disse.

Outro ponto contestado foi a alegação de práticas desleais do Brasil no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico. Lula citou o sistema de transferências instantâneas PIX como exemplo de inclusão financeira, ressaltando que milhões de brasileiros foram beneficiados pela ferramenta.

Na área ambiental, o presidente destacou que o Brasil reduziu o desmatamento da Amazônia pela metade nos últimos dois anos e que, em 2024, centenas de milhões de dólares em ativos usados em crimes ambientais foram apreendidos. Ainda assim, advertiu que a floresta continuará em risco se outros países não reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa.

Ao final, Lula reforçou a disposição para o diálogo com Washington, mas alertou que “a democracia e a soberania do Brasil não estão em pauta”. Ele citou discurso de Donald Trump na ONU em 2017, no qual o republicano defendeu o respeito à soberania nacional como base da cooperação internacional.

Confira o artigo na íntegra:

Decidi escrever este ensaio para estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao longo de décadas de negociação, primeiro como líder sindical e depois como presidente, aprendi a ouvir todos os lados e a levar em conta todos os interesses em jogo. É por isso que examinei cuidadosamente os argumentos apresentados pelo governo Trump para impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.

Recuperar empregos nos EUA e reindustrializar são motivações legítimas. Quando, no passado, os Estados Unidos ergueram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou para seus efeitos nocivos. Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado Consenso de Washington, uma prescrição política de proteção social mínima, liberalização comercial irrestrita e desregulamentação generalizada dominante desde a década de 1990, justificou a posição brasileira.

Mas recorrer a ações unilaterais contra Estados individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento de tarifas imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit comercial com o nosso país, nem estão sujeitos a tarifas elevadas. Nos últimos 15 anos, acumularam um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços. Quase 75% das exportações dos EUA para o Brasil entram isentas de impostos. Pelos nossos cálculos, a tarifa média efetiva sobre produtos americanos é de apenas 2,7%. Oito dos 10 principais itens têm tarifa zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão.

A falta de justificativa econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que estavam trabalhando para abrir canais de negociação. O governo dos EUA está usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas.

Tenho orgulho do Supremo Tribunal Federal (STF) por sua decisão histórica na quinta-feira, que salvaguarda nossas instituições e o Estado Democrático de Direito. Não se tratou de uma “caça às bruxas”. A decisão foi resultado de procedimentos conduzidos em conformidade com a Constituição Brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar. Isso ocorreu após meses de investigações que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro da Suprema Corte. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022.

O governo Trump acusou ainda o sistema judiciário brasileiro de perseguir e censurar empresas de tecnologia americanas. Essas alegações são falsas. Todas as plataformas digitais, nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode ser uma terra de ilegalidade, onde pedófilos e abusadores têm liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes.

Igualmente infundadas são as alegações do governo sobre práticas desleais do Brasil no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico, bem como sua suposta falha em aplicar as leis ambientais. Ao contrário de ser injusto com os operadores financeiros dos EUA, o sistema de pagamento digital brasileiro, conhecido como PIX, permitiu a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita as transações e estimula a economia.

Nos últimos dois anos, reduzimos a taxa de desmatamento na Amazônia pela metade. Somente em 2024, a polícia brasileira apreendeu centenas de milhões de dólares em ativos usados ​​em crimes ambientais. Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem sua parte na redução das emissões de gases de efeito estufa. O aumento da temperatura global pode transformar a floresta tropical em uma savana, interrompendo os padrões de chuva em todo o hemisfério, incluindo o Centro-Oeste americano.

Quando os Estados Unidos dão as costas a um relacionamento de mais de 200 anos, como o que mantêm com o Brasil, todos perdem. Não há diferenças ideológicas que impeçam dois governos de trabalhar juntos em áreas onde tenham objetivos comuns.

Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em pauta. Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2017, o senhor disse que “nações fortes e soberanas permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo”. É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitarem e cooperarem para o bem de brasileiros e americanos.

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Last Update: 14/09/2025