Na última segunda-feira, dia 30 de junho, o governo da República Popular de Lugansk declarou que todas as tropas do governo fantoche da Ucrânia foram removidas de seu território. Oficialmente, Lugansk, uma das repúblicas do Donbass, foi desnazificada.
Lugansk se autodeclarou uma república autônoma à Ucrânia no mesmo ano após o golpe promovido pelo imperialismo naquele país em 2014. A população se armou, e constituiu milícias populares para se defender. No Donbass, em Lugansk e em Donetsk, a maioria da população fala o russo, e foi submetida a uma campanha criminosa de extermínio pelo governo nazista da Ucrânia a partir do golpe. Em parte, isso motivou a Operação Militar Especial da Rússia, em 2022, e que se estende até hoje.
No entanto, a situação vai além de uma guerra contra a Rússia movida pelo imperialismo com o uso de grupos nazistas ucranianos. A resistência ao golpe, em Lugansk, constituiu um verdadeiro Estado operário, como noticiado por este Diário à época, em que enviamos dois correspondentes à região.
A mobilização que reagiu ao golpe, além de resultar nos referendos de autonomia em Donetsk e Lugansk, e nos pedidos de anexação à Rússia, também levou manifestantes a invadirem o prédio do Serviço de Segurança da Ucrânia (SSU) em Lugansk e, frente à recusa de negociação por parte das autoridades, os manifestantes se organizaram em pelotões, companhias e batalhões de uma milícia armada.
Com exigências num primeiro momento do reconhecimento do russo novamente como segunda língua oficial e da libertação dos prisioneiros políticos, 5 mil pessoas tomaram a sede do governo regional de Lugansk, assim como as sedes da televisão regional, da promotoria e da polícia. As bandeiras ucranianas foram retiradas, substituídas por bandeiras de Lugansk.
Hoje, a República Popular de Lugansk conta com um Poder Executivo composto por um presidente, que atua como chefe de Estado, e um primeiro-ministro, além do Soviete. Em sua constituição, que possui apenas 10 capítulos e 86 artigos, ela se define como um “Estado social” (artigo 1º) e entre suas bases constitucionais está o exercício do poder pelo povo “diretamente bem como por meio das autoridades estatais e órgãos de autogoverno locais” (art. 2º).
O objetivo da “política social” da República é “criar condições que garantam uma vida decente e o livre desenvolvimento da pessoa, do seu bem-estar e da disponibilidade dos benefícios materiais, morais e espirituais elementares” (art. 4º).
A estatização da terra (art. 5º) é um dos princípios constitucionais mais importantes. “A terra e outros recursos naturais da República Popular de Lugansk são propriedade do povo e usados e protegidos como base da vida e das atividades do povo” (parágrafo 2). Seu uso é definido pela lei (p. 3) . “A venda de terras é proibida” (p. 4).
Além disso, “a atividade econômica dirigida ao monopólio e à competição desleal não é permitida” (art. 27).
Segundo a Constituição, “todos têm o direito de trabalhar em condições que atendam aos requisitos de segurança e higiene, à remuneração pelo trabalho sem discriminação e não inferior ao mínimo estabelecido por lei, e ao direito à proteção contra o desemprego” (art. 30, p. 3).
“O direito à disputa individual e coletiva é reconhecido pela lei, inclusive o direito de greve”, diz o parágrafo 4.
Ainda, em lei específica dos sindicatos, se define que:
“Os sindicatos têm o direito de participar na resolução de conflitos coletivos de trabalho, têm o direito de organizar e realizar greves, reuniões, comícios, marchas de rua, manifestações, piquetes e outras ações coletivas de acordo com a lei da República Popular de Lugansk , utilizando-os como meio de proteção dos direitos sociais e trabalhistas e dos interesses dos trabalhadores.
Os sindicatos têm o direito de criar inspeções legais e técnicas do trabalho para fiscalizar o cumprimento por empregadores, funcionários da legislação trabalhista […]
Os empregadores e funcionários são obrigados a informar o sindicato sobre os resultados de sua consideração e as medidas tomadas dentro de uma semana a partir da data de recebimento do pedido para eliminar as violações identificadas.
Os sindicatos, no exercício dessas competências, interagem com os órgãos estatais de fiscalização e controle do cumprimento da legislação trabalhista.”
A constituição ainda estabelece a autonomia dos sindicatos: “a intervenção de autoridades de Estado da República Popular de Lugansk, dos órgãos de autogoverno locais e seus funcionários nos sindicatos é proibida, pois pode ensejar a restrição dos direitos dos sindicatos ou suspender a implementação de suas atividades estatutárias”.
Em lei sobre moradia, o usufruto da mesma é garantido:
“Todos têm direito à moradia. Ninguém pode ser privado de casa, salvo nos casos previstos na lei. […]
3. Aos pobres, demais cidadãos especificados na lei que necessitem de habitação, a mesma é fornecida gratuitamente ou a preço acessível de fundos estaduais, municipais e outros fundos habitacionais de acordo com as normas estabelecidas por lei.”
A saúde e educação públicas também são definidas em lei.
Mais que isso, os cidadãos, no caso os homens, são convocados a lutar na milícia popular, porém, “caso suas convicções ou religião sejam contrárias ao cumprimento do serviço militar, bem como em outros casos estabelecidos por lei, tem o direito de substituí-lo por serviço civil alternativo”.
Ainda, são proibidas as privatizações de empresas, parcelas de terra, habitação sob jurisdição do governo, água e esgoto, instituições educacionais, culturais e esportivas, infraestrutura de gás e aquecimento, eletricidade e saúde.
Apesar disso, a região vive em permanente guerra civil desde 2014, na prática, o massacre da população do Donbass, o que se desenvolveu numa guerra de fato a partir da entrada da Rússia, em apoio a essa população civil.
Da luta contra o golpe, que se desenvolveu principalmente após a consumação do mesmo na Ucrânia, ou seja, da luta contra a ditadura nazista apoiada pela OTAN, um levante operário ocorreu no Donbass. E é o governo fruto desse levante, com ampla participação popular, que se vê, ao menos geograficamente, por ora, livre em seu território das ameaças de tropas mantidas pelo imperialismo.