Entre os dias 17 e 18 de fevereiro, Londrina foi tomada por protestos pedindo justiça para Kelvin dos Santos, 16, e Wender da Costa, 20, mortos pela PM na noite do dia 15. A resposta do governador Ratinho Jr. (PSD) foi militarizar a cidade para “reestabelecer a ordem”.
Dois jovens trabalhadores
Kelvin e Wender eram amigos e trabalhavam juntos em um lava-rápido. Na noite de sábado, pegaram um carro emprestado e foram comprar bebidas para uma festa de família.
“Gente, estou aqui. Tô achando que é meu sobrinho que fechou o lava-rápido agora… ele mais um funcionário… a Choque matou eles. Ele acabou de sair de lá… Fechou pra nós tomar uma cerveja, fazer um churrasco e eles matou”, diz uma tia de Wender em vídeo no Instagram.
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Segundo declaração oficial, uma equipe do Choque teria identificado o carro usado pelos rapazes como sendo o mesmo utilizado em assaltos na região. O que teria acontecido a seguir é uma conhecida narrativa da polícia em casos assim: ao abordar os suspeitos, os agentes foram supostamente atacados pelos jovens armados e apenas se defenderam.
A virulência da “legítima defesa” foi tanta que Sirlene, mãe de Kelvin, disse que não conseguiu entrar no IML para ver o corpo do seu filho . “Foi execução, não foi confronto”, afirmou ainda em entrevista a uma tv local.
“O que aconteceu não foi crime organizado, foi população revoltada”
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Haydee Melo, 1ª à esquerda, fundadora do “Justiça por Almas”: ‘Não temos o direito nem de viver o luto’ Foto Lume Rede de Jornalistas
A indignação logo se espalhou e, na segunda-feira, 17 de fevereiro, foram registrados protestos em três pontos de Londrina. Houve queima de ônibus e barricadas. A resposta do governo foi mais repressão.
Como conta ao Opinião Haydee Melo, do Justiça por Almas, que apoiou o protesto pacífico do dia 18, “a mãe do Kelvin chorando e o PM chamando ela de vagabunda. Deram um tiro de bala de borracha na perna dela, além de puxar o cabelo”.
Outra liderança do movimento, Valdirene da Silva, lembra que foi ignorada pelos policiais ao buscar o diálogo para organizar o ato. Ela avalia ainda que a repressão é estimulada pela mídia local, que criminalizou as vítimas, as famílias e a reação popular.
Mesmo contra tantas forças poderosas, a luta vai seguir. “Nós e vários coletivos estamos organizando novos protestos pacíficos. O secretário de segurança está na cidade, o governador também, mas eles não procuraram as mães das vítimas. Como eles não tiveram como reprimir manifestação depois do dia 17, houve denúncia que eles fizeram operações no presídio e há relatos de gritos por ajuda. É o batalhão do BOPE de Curitiba que veio pra cidade… a cidade está empestiada”, conta Haydee.
Engana-se quem pensa que o reforço do policiamento é na cidade toda. “Na área central e na área da burguesia, você quase não vê viatura. Mas quando você passa perto das favelas, tem muitas viaturas da Choque, do Bope. Eles tão sedentos”, analisa.
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Vanessa e Sirlene, mães de Wender e Kelvin. Foto ReproduçãoRPC
Não é um caso isolado
Haydee e Valdirene conhecem de perto a violência do Estado dos ricos. Junto com Hayda Melo, irmã de Haydee, elas criaram o Justiça por Almas em 2022. Naquele ano a PM matou Willian Júnior, 18, e Anderbal Júnior, 21, sobrinho e filho delas, respectivamente.
“Ele era um menino incrível, único filho da minha irmã”, conta a tia de Willian. “Ele nasceu em 8 março de 2004 e em 8 de maio de 2022 tava sendo velado. Esse foi o presente que o Estado, que o Choque deu de Dia das Mães”. O rapaz é descrito como uma pessoa atenciosa: “mandava mensagem perguntado o que a gente tinha almoçado”. “Os nossos sonhos também acabam. Minha irmã tá com depressão… ela só tinha ele”, diz sobre a falta que Willian faz para a família.
Já Anderbal Júnior foi o primeiro filho de Valdirene. “Foi por ele que eu decidi tocar a vida e lutar, acreditar. Ele era um menino espetacular. Por onde passou deixou só alegria. Os jovens, as crianças, os velhos gostavam dele”.
Refletindo sobre o tamanho da perda de seu primogênito, compartilha um sentimento profundo: “ninguém sabe o que uma mãe passa pra ter um filho”. Como ela, seu marido e seus outros dois filhos lidam com questões de saúde até hoje como consequência da violência que sofreram.
Quando chegou ao local em que Anderbal foi morto, Valdirene relata que viu os policiais em uma cena revoltante. “Era [como] um réveillon em Copacabana. Eles se abraçavam, se dando parabéns”. No rádio, dizia-se que tinham abatido uma quadrilha de roubo de carros.
Do luto à luta
No total, foram disparados 50 tiros no veículo em que estavam Willian, Anderbal e um mais um amigo que sobreviveu. As famílias tiveram que recorrer a uma perícia particular de fora da cidade para levantar evidências de que não houve confronto.
Isso foi necessário porque a análise oficial apenas corroborou a narrativa dos agentes envolvidos. No laudo do IML constavam, por exemplo, 13 tiros em Willian e 17 em Anderbal. O perito particular encontrou um quadro diferente: na realidade, eles foram atingidos por 15 e 22 tiros.
“A gente não tem direito de viver o luto. A gente vira delegado, advogado, perito”, afirma Haydee, relatando uma realidade bem conhecida pelas famílias que têm um ente querido morto ou preso pelas polícias.
Com o Justiça por Almas hoje elas auxiliam pessoas que enfrentam a mesma situação. “É por isso que a gente luta: pra que outras famílias não venham passar o que a gente passa”, declara corajosamente.
Audiência Pública no dia 28 de fevereiro
Sobre o papel do governador do estado resumem: “Se você der uma arma na mão do Ratinho Jr. ele não vai matar, mas ele manda matar”. E os policiais ainda são premiados pela letalidade. “Um governo desse pagando, dando bonificação pra matar o filho dos outros”.
Diante desta situação crítica, na próxima sexta-feira, 28 de fevereiro, haverá uma audiência pública organizada por vários grupos e movimentos sociais, como o Justiça por Almas e outros. Com o título “Segurança da Juventude da Periferia de Londrina: desafios e soluções”, o evento começará às 15h, no auditório da Câmara Municipal.
“O objetivo é mobilizar a comunidade e lideranças para debater as verdadeiras causas da insegurança enfrentada pelos jovens da periferia. Entre os principais desafios, está a letalidade policial, que tem sido a maior ameaça à juventude de Londrina”, lê-se na divulgação nas redes sociais.
O Opinião Socialista e o PSTU apoiam esta luta.